domingo, 27 de março de 2016

Sobre "2 pesos e 2 medidas" - ou como tentar fugir dele

Em um momento de profunda polarização política como o que vivemos, no qual, de lado a lado, as pessoas tendem cada vez mais a se agarrar a verdades prontas, não raro assumidas muito mais por sentimentos do que por argumentos racionais, é bastante frequente observar contradições e incongruências nos discursos quando se trata de defender um “aliado” ou atacar um “adversário”. E isso não apenas por parte dos envolvidos diretamente, mas também de todos nós que, com maior ou menor atenção, acompanhamos o desenrolar dos fatos políticos em curso. Ora, é desnecessário dizer o quanto isso é prejudicial para o debate que se coloca. 

Nesse sentido, um exercício cotidiano interessante para quem ainda se dispõe ao diálogo e deseja escapar da injustiça dos “2 pesos e 2 medidas” que o atual cenário tem fomentado (e do qual, como se sabe, nem mesmo os operadores do Direito estão imunes), enriquecendo o debate para além das posições de “torcida”, poderia ser o de estabelecer um critério de julgamento ético-político razoavelmente fixo e universalizante.

Sabe-se, desde os impasses advindos com a ética de Kant, que todo critério universal para medir a moralidade de uma ação é problemático. Ainda assim, diante de turbulência atual, e do infindável conflito de versões que ela tem provocado, pode ser útil adotar um parâmetro desse tipo. Se não de modo exclusivista, porque há sempre uma série de nuances a se considerar em casa caso, ao menos como ponto de apoio inicial.

Na prática, isso poderia se materializar, por exemplo, pelo hábito de nos questionarmos honestamente, antes da emissão de qualquer juízo, sobre como procederíamos se a situação fosse inversa àquela que se apresenta. Algumas ilustrações:

- Ajo do mesmo modo, isto é, com a mesma indignação ou condescendência, quando determinado argumento é usado por um adversário ou por um aliado? Por exemplo, para se livrar de alguma denúncia?
- Condeno a conduta imputada a alguém de quem não gosto com a mesma veemência com que a condenaria (se é que condenaria) no caso de a mesma conduta ser imputada a alguém com quem me identifico política e/ou pessoalmente?
- Aprovaria certa fala vinda de alguém que esteja “do meu lado” se esta fosse usada por alguém do “outro lado”?

Como se percebe, respostas divergentes a essas questões (e outras que se pode formular na mesma linha) podem ser um sintoma da adoção de um julgamento que não prima pela justiça e pela coerência. Contudo, não se trata de um diagnóstico definitivo. Pois, como alertei acima, todo critério de julgamento ético universal tende a criar embaraços, justamente porque as situações de sua aplicação mudam, e também precisam ser avaliadas em suas particularidades. Além disso, no caso das questões políticas, frequentemente não há simetria entre os lados em disputa. Por isso, essa sugestão é insuficiente se adotada de modo exclusivo. No entanto, poderia servir pelo menos como uma baliza inicial para racionalizar um pouco esse turbilhão de juízos que inundam as redes sociais, e evitar incoerências que acabam por dirimir a legitimidade dos discursos e insuflar ainda mais os ânimos.

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