quinta-feira, 14 de maio de 2015

Vida sem pensamento: Hannah Arendt, Darcy Ribeiro e a crise na educação brasileira

"Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos”.

A frase destacada é da filósofa alemã Hannah Arendt. Arendt foi uma crítica ácida da modernidade, na medida em que, segundo seu entendimento, a era atual teria eliminado paulatinamente nossa disposição a pensar, substituindo-a pela necessidade de produzir, fabricar, trabalhar. Contudo, dizia a filósofa, pensar é aquilo que expressa nossa intimidade, nossa individualidade, nossa subjetividade. Logo, indivíduos que não pensam deixam de ser indivíduos e se tornam uma “massa”, amorfa, sem rosto e sem expressão própria. Ainda segundo Arendt – e esta era uma de suas preocupações centrais –, é este fenômeno, a criação das chamadas “sociedades de massa”, típicas da modernidade, que criaria o solo fértil para a emergência dos fenômenos de totalitarismo (nazismo, fascismo, stalinismo) que marcaram a política no século XX.

Ora, aceitando a tese arendtiana assinalada no início, pode-se dizer que temos hoje uma série cada vez mais extensa de “sonâmbulos”. Uma rápida olhada nas redes sociais, por exemplo, revela como, cada vez mais, as pessoas têm uma incrível dificuldade de pensar. Não pensar nesta ou naquela direção específica, mas apenas pensar: refletir, conjecturar, ponderar... Mesmo em assuntos supostamente politizados ou de maior profundidade – na verdade, ainda mais nestes – esse traço dramático se faz notar de modo mais nítido: não há exame consciente, reflexão, contestação, nada. Há apenas reprodução acrítica de “fatos” e ideias que, na maior parte das vezes, são inverídicos (os primeiros) ou completamente descoladas da realidade (as últimas) –isso para dizer o mínimo. E ainda, bem entendido, não se trata de defender que a internet ou as redes criaram este fenômeno. Elas apenas lhe deram uma vazão inédita.

Diante deste quadro, se solução há para este problema, ela naturalmente passaria pela formação de indivíduos críticos, autônomos, isto é, sujeitos dispostos a pensar por si mesmos. E, claro, para que isso pudesse ser concretizado, a escola e a universidade (mas não só elas, é verdade) deveriam desempenhar um papel elementar.  Se é assim, no entanto, é forçoso notar que o cenário atual brasileiro e, consequentemente, as perspectivas para um futuro próximo, não são nada animadoras. Afinal, temos assistido ataques crescentes e de diferentes ordens à educação pública e ao bom funcionamento das instituições de ensino no país. Seja por parte de governos estaduais, que agridem, de diversos modos, professores que reivindicam legitimamente melhores condições de trabalho; seja através destes mesmos governos, infelizmente com ressonâncias cada vez maiores no plano federal (não dá para negar que o slogan “pátria educadora”, até aqui, é mais uma peça de marketing do que qualquer outra coisa, dada a política de austeridade adota por Dilma neste segundo mandato), cortando gastos que afetam a qualidade do ensino público superior e de seus indispensáveis complementos: a pesquisa e a extensão. 

Nesse sentido, vale lembrar o que disse certa vez um dos maiores pensadores sobre a educação no Brasil, Darcy Ribeiro: a crise de nossa educação não é crise, mas um projeto. Uma estratégia de nossas elites para manter a alienação da grande maioria. Infelizmente, sem esquecer alguns importantes avanços neste quesito ocorridos nos últimos anos (a partir das ações do governo federal, é bom frisar), parece incontestável a correção da tese de Darcy e como aquela estratégia ainda tem funcionado bem. Pior: parece que assim o continuará, ao menos no próximo período, causando danos irreparáveis naqueles que, sem perceber, estão condenados a desperdiçar suas vidas como os “homens-sonâmbulos” de Arendt – andando a esmo, sem pensamento.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo post, me fez refletir.

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    1. Muito obrigado! É a intenção do material que publico aqui!

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  2. Excelente texto. É triste que na era da informação o nosso maior problema é o pensamento... É triste pensar que nosso problema (social) é sistêmico e não há algo determinante que possa alterar o ciclo das coisas...

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    1. Obrigado pelo elogio. De fato, parece que continuamos num beco sem saída.

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