quinta-feira, 28 de maio de 2015

Democracia em frangalhos

Assistimos, nessa semana, um dos mais duros – se não o mais duro – golpe em nossa democracia, pelo menos desde a promulgação da atual Constituição, em 1988. A$ manobra$ do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, primeiro, para votar a reforma política ao arrepio das discussões precedentes sobre o tema; e, depois, para incluir o financiamento empresarial de campanhas, menos de 24 horas depois de ver a mesma proposta ser rejeitada pelo plenário, foram um acinte à vontade popular. Além disso, tornaram (ainda mais) explícitas a corruptibilidade de grande parte de nossos deputados e, de quebra, passaram um recado inequívoco de quem manda na agenda do país. Nossa política tem um dono.

Há de se notar, porém, que tais manobras golpistas talvez pudessem ter sido evitadas, por exemplo, se o governo tivesse tido o mesmo empenho em relação à reforma que teve em relação ao nefasto ajuste fiscal. Mas, olimpicamente, diferente do que fez em relação às MPs 664 e 665, o Executivo optou por não tomar parte nas discussões daquilo que é a essência dos problemas da vida política brasileira: a interferência indevida do poder econômico sobre ela. Terminará, mais cedo ou mais tarde, pagando o preço por essa renúncia – tanto quanto todos nós.

A meu ver, depois do que ocorreu nesta quarta-feira, fica evidente que a democracia brasileira está em frangalhos. No mesmo dia em que nos animamos ao ver o mega esquema de corrupção na FIFA começar a ser desbaratado, com prisões de figurões, o Brasil, pela$ mão$ de Cunha e seus asseclas, optou por inscrevê-la como meio legítimo – talvez, o único – de se fazer política no país. Com isso, o presidente da Câmara (que está no cargo há três meses, embora o pareça estar há três anos) demonstrou mais uma vez que vai fazer o que for nece$$ário para impor sua pauta negativa. Nessa hora, os batedores de panela se calam – por conveniência ou por ignorância. Movimentos sociais e partidos de esquerda se encontram na defensiva e, aparentemente, têm pouca força para promover uma mobilização popular capaz de reverter o desastre (evitar que o Senado ratifique a posição dos deputados, por exemplo). Até porque, não encontram ponto de apoio no Executivo que elegeram, pois este, optando por um caminho suicida, tanto na política, quanto na economia, não dá sinais de que possa (ou mesmo queira) se contrapor ao poder do presidente da Câmara. Prefere concentrar suas energias em "acalmar os mercados". O cenário para os próximos tempos não poderia ser pior.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Vida sem pensamento: Hannah Arendt, Darcy Ribeiro e a crise na educação brasileira

"Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência – ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos”.

A frase destacada é da filósofa alemã Hannah Arendt. Arendt foi uma crítica ácida da modernidade, na medida em que, segundo seu entendimento, a era atual teria eliminado paulatinamente nossa disposição a pensar, substituindo-a pela necessidade de produzir, fabricar, trabalhar. Contudo, dizia a filósofa, pensar é aquilo que expressa nossa intimidade, nossa individualidade, nossa subjetividade. Logo, indivíduos que não pensam deixam de ser indivíduos e se tornam uma “massa”, amorfa, sem rosto e sem expressão própria. Ainda segundo Arendt – e esta era uma de suas preocupações centrais –, é este fenômeno, a criação das chamadas “sociedades de massa”, típicas da modernidade, que criaria o solo fértil para a emergência dos fenômenos de totalitarismo (nazismo, fascismo, stalinismo) que marcaram a política no século XX.

Ora, aceitando a tese arendtiana assinalada no início, pode-se dizer que temos hoje uma série cada vez mais extensa de “sonâmbulos”. Uma rápida olhada nas redes sociais, por exemplo, revela como, cada vez mais, as pessoas têm uma incrível dificuldade de pensar. Não pensar nesta ou naquela direção específica, mas apenas pensar: refletir, conjecturar, ponderar... Mesmo em assuntos supostamente politizados ou de maior profundidade – na verdade, ainda mais nestes – esse traço dramático se faz notar de modo mais nítido: não há exame consciente, reflexão, contestação, nada. Há apenas reprodução acrítica de “fatos” e ideias que, na maior parte das vezes, são inverídicos (os primeiros) ou completamente descoladas da realidade (as últimas) –isso para dizer o mínimo. E ainda, bem entendido, não se trata de defender que a internet ou as redes criaram este fenômeno. Elas apenas lhe deram uma vazão inédita.

Diante deste quadro, se solução há para este problema, ela naturalmente passaria pela formação de indivíduos críticos, autônomos, isto é, sujeitos dispostos a pensar por si mesmos. E, claro, para que isso pudesse ser concretizado, a escola e a universidade (mas não só elas, é verdade) deveriam desempenhar um papel elementar.  Se é assim, no entanto, é forçoso notar que o cenário atual brasileiro e, consequentemente, as perspectivas para um futuro próximo, não são nada animadoras. Afinal, temos assistido ataques crescentes e de diferentes ordens à educação pública e ao bom funcionamento das instituições de ensino no país. Seja por parte de governos estaduais, que agridem, de diversos modos, professores que reivindicam legitimamente melhores condições de trabalho; seja através destes mesmos governos, infelizmente com ressonâncias cada vez maiores no plano federal (não dá para negar que o slogan “pátria educadora”, até aqui, é mais uma peça de marketing do que qualquer outra coisa, dada a política de austeridade adota por Dilma neste segundo mandato), cortando gastos que afetam a qualidade do ensino público superior e de seus indispensáveis complementos: a pesquisa e a extensão. 

Nesse sentido, vale lembrar o que disse certa vez um dos maiores pensadores sobre a educação no Brasil, Darcy Ribeiro: a crise de nossa educação não é crise, mas um projeto. Uma estratégia de nossas elites para manter a alienação da grande maioria. Infelizmente, sem esquecer alguns importantes avanços neste quesito ocorridos nos últimos anos (a partir das ações do governo federal, é bom frisar), parece incontestável a correção da tese de Darcy e como aquela estratégia ainda tem funcionado bem. Pior: parece que assim o continuará, ao menos no próximo período, causando danos irreparáveis naqueles que, sem perceber, estão condenados a desperdiçar suas vidas como os “homens-sonâmbulos” de Arendt – andando a esmo, sem pensamento.

terça-feira, 5 de maio de 2015

O velho Leon e Natália em Coyoacán

Acho O velho Leon e Natália em Coyoacán um dos melhores poemas de Paulo Leminski. Primeiro, por propor uma trama romântica a partir de dois personagens que admiro, Leon Trotsky e sua esposa, Natalia Sedova. Mas, além disso, e mais fundamentalmente, porque ele sempre me remete àqueles dias extraordinários, que pela dificuldade que nos impuseram, ou pela mudança de destinos que nos provocam, se tornam únicos, singulares em nossas vidas, e cuja memória, embora dolorosa, sempre nos acompanhará. “Nunca mais vai haver um dia como em Petrogrado aquele dia”. Quem nunca teve seu “dia em Petrogrado” para dizer: que um dia como esse nunca mais se repita?

No entanto, também em muitos dias positivamente extraordinários, nos quais tive alguma experiência que se tornaram únicas, irrepetíveis (as “primeiras vezes”, por exemplo) os versos da última estrofe curiosamente me vêm à mente. Neste caso, não como desejo, como é o tom do poema, mas com certa dose de lamento: nunca mais vai haver um dia como aquele, pois as circunstâncias são outras, e eu também já sou outro.

Enfim, independete da interpretação que se faça, o fato é que se trata de uma bela composição, de um de nossos melhores poetas do século XX.

O velho Leon e Natália em Coyoacán
(Paulo Lemniski)

desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás de outro vindo
você e eu sonhando e dormindo