domingo, 2 de novembro de 2014

Primeiros movimentos pós-eleições

Passada uma semana das eleições que consagraram um quarto mandato ao Partido dos Trabalhadores, e já um pouco recuperado da estafa provocada pelo pleito, é hora de retomar as atividades no blog. Infelizmente será preciso, ainda uma vez, e contra minha vontade traçar algumas linhas de análise política. Digo infelizmente porque, com toda sinceridade, desejaria fazer um post tratando de alguma amenidade, ou mesmo de filosofia pura. No entanto, estes dias já foram ricos de fatos e prenúncios do que virá pela frente. E os sinais são inquietantes.

Podemos ver se desenhar no horizonte alguns dos elementos que deverão dar a tônica da política no próximo período. Queria me ater aos dois movimentos que simbolizam, a meu ver, o confronto político que se estabelecerá no início do segundo mandato de Dilma, e que nos obrigam a deixar o sinal de alerta ligado.

Do lado da presidenta, a vitória por estreita margem, a dificuldade em dialogar com alguns setores influentes da sociedade e, mais importante, a percepção de que o projeto transformador que ela encarna encontrou seus limites nos atuais padrões de governabilidade, levaram Dilma a propor repactuar o país em torno daquela que, corretamente, ela diz ser a “mãe de todas as reformas”: a reforma política. A estratégia me parece a mais pertinente. Como já afirmei reiteradamente por aqui nos últimos anos, de fato, apenas uma reforma política capaz de radicalizar nossa democracia pode abrir uma saída positiva para resolver os históricos problemas estruturais do país. Contudo, temos visto como esta agenda está longe de ser consensual, em especial num Congresso cada vez mais conservador. Por isso mesmo, tirá-la do papel exigirá uma ampla capacidade de mobilização de partidos e movimentos sociais de esquerda, além do próprio governo, em torno do tema. Este gesto, porém, tenderá a aumentar a temperatura do debate político, fenômeno que, se não for bem controlado, pode se reverter contra o próprio governo e o PT.

Do lado da oposição, por sua vez, a tentativa para os próximos meses parece clara: de um lado, obstruir mudanças no Congresso – vide o que ocorreu com o decreto do programa de Participação Social; de outro, desestabilizar o governo, tentando a todo custo retirar sua legitimidade – no limite, criar as condições para seu impedimento. Sempre, claro, com a preciosa ajuda de setores da grande imprensa (daí que o próprio debate acerca da reforma política terá de ser feito com paciência e cuidados redobrados). O patético pedido de auditoria das eleições proposto pelo PSDB, somado à não menos patética – embora mais preocupante – manifestação deste sábado, em São Paulo, pedindo uma intervenção militar no país, são gestos iniciais paradigmáticos dessa estratégia.

Assim, é no cruzamento destes dois vetores que se jogará o futuro brasileiro no curto e, provavelmente, no médio prazo. Se a política é uma disputa de forças, a tensa conjuntura atual reclama maturidade ao conjunto das forças de esquerda e centro-esquerda (no Congresso e na sociedade civil). Pois, mais do que nunca, é preciso se unir em torno de um programa mínimo, tendo como eixo a reformulação de nosso anacrônico sistema político – algo que, aliás, já tem sido esboçado desde o segundo turno das eleições, mas que urge prosseguir –, para fazer o vetor resultante deste confronto pender para o lado progressista. Apenas assim, a meu ver, será possível isolar os germes de golpismo presentes em setores da oposição (e que, certamente, serão mais e mais alimentados por parte da grande mídia), e recuperar a capacidade de impor uma pauta avançada de reformas que o Brasil tanto necessita. Não é uma tarefa simples, pois é inegável que o ambiente político está acirrado como talvez nunca antes (em um passado recente, ao menos). Contudo, este é o desafio que a história nos legou. Resta-nos, então, encará-lo de frente, sob pena de, em caso de fracasso, não apenas vermos a esquerda e seu projeto se esfacelarem – é assumidamente o que desejam os oposicionistas – mas, além disso, assistirmos o país retroceder a níveis (sociais, políticos, econômicos, culturais) que imaginávamos completamente superados.

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