domingo, 31 de agosto de 2014

Nova política? Só com uma Reforma! - Nessa semana, participe do plebiscito popular!

Entre os dias 1º e 7 de setembro, setores organizados da sociedade farão, em todo o Brasil, um plebiscito popular por uma Constituinte exclusiva para a reforma política. Com valor apenas consultivo, o plebiscito contará com uma única pergunta: “Você é a favor da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política?” A iniciativa é importante, entre outros motivos, porque sintonizada com as aspirações dos movimentos que eclodiram em junho do ano passado e com a força política surgida de lá para cá, especialmente entre os jovens. Com efeito, a reforma política é o primeiro passo para a realização das mudanças estruturais justamente cobradas nas ruas, e que o Congresso, em sua maioria tomado por parlamentares preocupados apenas com seus interesses, frequentemente bloqueia.

Escrevi um texto a respeito do plebiscito e da importância da reforma há algumas semanas, publicado na revista Teoria e debate (leia aqui). Depois disso, vale observar, a entrada de Marina Silva na disputa presidencial reacendeu a polêmica acerca de uma "nova política". No entanto, não podemos nos deixar enganar: não há atalhos, soluções mágicas, ou messiânicas. Não pode haver mudança na forma de se fazer política sem mudança nas regras do jogo! Por isso, para que as transformações que tanto ansiamos saiam do papel, é imprescindível uma reforma política. Assim, se você quer outra política, um salto de qualidade nos serviços públicos ofertados pelo Estado, reformas de base como a agrária, a urbana e a tributária, maior participação e uma maior sintonia entre a classe política e as necessidades populares, não deixe de participar do plebiscito popular nessa semana!

Maiores informações e locais de votação: http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O primeiro debate e o início da desconstrução de Marina

Na noite desta terça-feira, 26/08, foi realizado o primeiro debate entre os candidatos e candidatas à presidência da República. Em que pese o péssimo horário de início (22h) e sua longa extensão (foi até 1h), entendo ter sido um dos melhores dos últimos tempos, com uma participação geral bastante razoável e, sobretudo, com potencial de importantes consequências para a disputa eleitoral.

Em geral, um debate serve, primeiramente, para demarcar campos políticos. Com este não foi diferente. Entre os candidatos “nanicos”, a surpresa positiva ficou por conta de Eduardo Jorge, que debatendo temas como aborto, legalização das drogas e reforma política, posicionou o PV na órbita da esquerda como há muito o partido não se posicionava. Luciana Genro manteve o discurso do PSol e, não fosse a chatice do ressentimento com o PT (típico da maioria dos ex-petistas, diga-se), poderia ter tido uma atuação melhor. Tem boas propostas, também tocou em temas importantes, como a laicidade e a questão indígena (esta, um dos pontos fracos do atual governo), mas a meu ver, não dialogou verdadeiramente com sua base em potencial, os trabalhadores. À direita, Pastor Everaldo martelou sua proposta de privatizar tudo, menos as preferências e orientações sexuais alheias. E Levy Fidelix, o mais fraco dos sete presentes, foi um peso morto.

No que se refere aos principais concorrentes, a primeira expectativa era saber como se comportariam após a divulgação da pesquisa do Ibope, poucas horas antes, que mostrava um crescimento de Marina na segunda posição e queda especialmente de Aécio, pela primeira vez em terceiro e distante da candidata do PSB.

Curiosamente, o tucano, que teve boa postura ao longo do debate, não atacou sua agora rival direta e preferiu concentrar-se em Dilma. Na minha opinião, perdeu todos os embates com a presidenta. Além disso, bateu na tecla de que teria feito uma “ótima gestão” (sic) em Minas Gerais e apresentou, como “novidade”, Armínio Fraga como seu nome para o ministério da Fazenda. Obviamente, não convenceu. Na verdade, embora fale bem, Aécio é tão vazio de conteúdo que, a continuar assim, arrisca-se a perder ainda mais espaço na corrida presidencial.

Dilma teve um desempenho muito melhor do que nos debates de 2010. Conquanto tenha sido alvo preferencial de todos os demais candidatos, em nenhum momento saiu-se derrotada nos confrontos diretos. Pelo contrário. Exceção feita ao primeiro bloco, onde teve uma fala com bom conteúdo, mas se mostrou um pouco nervosa, a presidenta apresentou números e teve respostas firmes (como na defesa do “Mais médicos” e da Petrobrás) e propostas sólidas. Reforçou politicamente seu lado – o que é o mais importante –, sobretudo ao defender o plebiscito para a reforma política, a regulação econômica da mídia e uma democracia com participação popular.

Mas, inegavelmente, a maior expectativa da noite era o desempenho de Marina, que pela primeira vez seria confrontada ao contraditório. Ora, neste sentido, e ainda que a postura da candidata tenha sido muito boa (falando de forma contundente, sem nervosismo), o debate serviu fundamentalmente para começar a desmascarar sua “nova política”: um projeto contraditório, sem propostas claras, personalista, conservador e neoliberal, (muito mal) travestido de “novidade”. Um projeto que nega a existência de classes sociais (chegando ao cúmulo de afirmar que Chico Mendes era de “elite”, tal como a herdeira do Itaú, Neca Setúbal, que é uma de suas gurus econômicas) e se orienta por um moralismo inconsequente (expresso na obscura ideia de um governo de “pessoas de bem”, “sem partidos”). Enfim, uma lástima, infelizmente, posto que acreditava (ou torcia – vide post anterior) para que, com Marina no segundo turno, o debate político avançasse. Não vai acontecer.

A expectativa que resta, agora, é saber o impacto que este início de desconstrução da novidade Marina poderá ter entre seus eleitores. A candidata que se apresenta como o novo se inclinou fortemente para a direita, com um discurso voltado para o mercado. Isso poderia lhe tirar votos, em particular daquela camada mais à esquerda de jovens que (ainda) enxergam nela a personificação do “espírito de junho”. Por outro lado, pode viabilizá-la como alternativa à direita.

Contudo, é forçoso notar que a audiência do debate é baixa, e a percepção sobre o desempenho e as propostas das candidatas e dos candidatos se dará, como sempre, a partir da narrativa da grande mídia – o que, sabemos bem, desfavorece amplamente a candidatura petista e favorece Marina, que não deverá ter suas contradições, por ora, expostas ao público.

Neste ponto, porém, entra uma última interrogação. Como era de se esperar, os jornalistas da Band que participaram do debate de ontem adotaram uma postura de ataque direto a Dilma e ao PT em todas as oportunidades possíveis. Inclusive, desviando vergonhosamente de seu papel naquele momento (tecer perguntas aos candidatos) e deixando claro seu lado. Mas ontem, da forma como foi costurada, essa posição favoreceu tanto Marina quanto Aécio, que encontraram, ambos, um reforço calculado no ataque ao governo. No entanto, dada a queda do tucano e a consolidação da ex-senadora no segundo lugar – e caso essa tendência se mantenha, o que parece bastante provável – será que a mídia abandonará Aécio e o PSDB e apoiará Marina? 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A campanha eleitoral na TV e o fator Marina

Nesta terça-feira tem início a campanha eleitoral no rádio e na televisão. Com ela, logo virão, também, os primeiros debates. É o momento em que grande parte da população volta seus olhos para o pleito, busca conhecer os candidatos e decide seu volto. Se isso, por si só, já torna este o grande momento da corrida eleitoral, neste ano, a campanha em nível federal, ao menos no início, terá um componente diferente e inesperado. Afinal, a trágica morte do candidato pelo PSB, Eduardo Campos, na última quarta-feira, certamente mudará o cenário da disputa presidencial - como já indicado na pesquisa Datafolha publicada nesta segunda (veja aqui).

Ainda que essa pesquisa esteja forte e propositalmente contaminada pelo impacto do acidente de Campos,  e que Marina sofra uma queda nas intenções de voto nas próximas semanas, entendo que ela ao menos reflete certa tendência: uma disputa ferrenha pela passagem ao segundo turno entre Aécio Neves e Marina Silva. Este quadro, que me parece estava quase que descartado com a presença de Campos, a meu ver, se dá por dois fatores. Em primeiro lugar, porque sua sucessora na cabeça de chapa, Marina Silva, é uma candidata mais forte eleitoralmente. Isso não só porque ela tem o recall dos votos recebidos em 2010, que a deixaram em terceiro lugar naquela eleição para presidente, mas também por sua messiânica auto-proclamação de "encarnação do espírito das ruas” que surgiu em junho de 2013, ideia que muitos compraram (Campos, por exemplo, não conseguiu, em nenhum momento, se apresentar como interlocutor dessa parcela da sociedade). Não à toa, até meados do primeiro semestre, quando seu nome ainda era testado nas pesquisas, Marina aparecia com uma margem de votos bastante superior àquela conseguida, até a última semana, por Eduardo Campos, fato confirmado na referida pesquisa desta segunda-feira. Inegavelmente, muitos desses eleitores de Marina eram/são aqueles que se identificam com a abstração política que as manifestações do ano passado acabaram representando (o “contra tudo e contra todos”, que nada mais é do que a negação da própria política), o que sem dúvida alavanca sua candidatura. Basta ver a diminuição no patamar de votos brancos e nulos entre as pesquisas anteriores e esta para notar. Em segundo lugar, como ficou claro desde o anúncio do falecimento de Campos, e se reafirmou em seu velório, a tragédia com o ex-governador de Pernambuco deverá ser explorada para fins políticos pela coligação que ele encampava, e que Marina dará continuidade, o que também deverá gerar, ao menos num primeiro momento, algum dividendo eleitoral.

Na verdade, já antes do acidente fatal de Campos, eu entendia ser muito difícil que Dilma pudesse ser vitoriosa ainda no primeiro turno, como as pesquisas têm apontado. Isso porque imaginava que, na reta final da campanha, caso as candidaturas de oposição realmente não decolassem, alguma denúncia furada haveria de aparecer para desgastar a imagem da candidata petista e lhe tirar os votos para uma vitória na primeira rodada. Com o fator Marina, ainda mais do jeito como surgiu, a perspectiva de segundo turno torna-se quase uma certeza. Mas, embora seja eleitor de Dilma, não creio que essa possibilidade seja intrinsecamente ruim. Entendo que Dilma possui capital político, realizações e um programa político concreto para vencer qualquer candidato. Não à toa, mesmo com o bombardeamento constante em cima de seu governo, as pesquisas têm lhe dão ampla vantagem sobre os adversários. Caso vá ao segundo turno contra Aécio, teremos uma reedição do embate das últimas eleições. Neste caso, a disparidade entre o projeto petista e o tucano dá todas as vantagens para a atual presidenta. Caso sua adversária seja Marina – cujo programa, para mim, ainda é uma incógnita –, apenas espero (talvez ingenuamente) que haja uma disputa de ideias e propostas progressistas, à altura da história e das tradições de PT e PSB (ou seja, que possamos ter um segundo turno mais à esquerda, sem medo do retrocesso motivado pelo fantasma do tucanato) e não uma disputa entre a política e a não-política. Isso, sim, seria terrível para o país.

No fundo, muito dos rumos dessas eleições vai depender da forma como Marina conduzirá sua campanha. Se se enveredará pela via messiânica da negação da “política tradicional” (que, insisto, da forma como está posta, é a negação da própria política) ou se formatará um programa sólido – e qual será o viés do mesmo. Mas, ainda é precipitado para avançar em análises mais profundas. Nestes primeiros dias, naturalmente, o impacto da morte de Campos ainda deixará o cenário nebuloso. Até o final do mês, no entanto, creio que já haverá condições de apontar um caminho mais seguro sobre o desenrolar dessa disputa.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Fim de um ciclo

Esta terça-feira, 12/08, marcou o fim de um ciclo em minha vida. Terminei meu doutorado em Filosofia na Universidade Federal de São Carlos, defendendo a tese “Alteridade e alienação: os impasses da intersubjetividade na filosofia de Sartre”. Tudo ocorreu bem, e fiquei muito feliz com o resultado final. Essa tese é o coroamento de um trabalho de longos anos (desde minha graduação, para ser mais preciso) e é extremamente prazeroso ver todo esse esforço  finalmente reconhecido e recompensado!

Deixo, agora, de ser estudante, depois de tanto tempo, e passo a me dedicar exclusivamente à docência. Por ora, como professor substituto do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas da Unesp, campus Franca.

A tod@s que me acompanharam ao longo dessa caminhada, especialmente aos meus pais e minha esposa, Angelica, meu muito obrigado! E a vida segue, rumo a novos desafios!

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Maquiavel e a política como disputa de forças pelo exercício do poder

Tendo em vista que começamos a campanha eleitoral de 2014, me pareceu oportuno escrever algumas linhas sobre o pai da política moderna: Nicolau Maquiavel.

Maquiavel é, possivelmente, um dos pensadores mais polêmicos (senão o mais) da filosofia política. E isso se explica, fundamentalmente, porque é com o filósofo florentino que tem início o deslocamento – que caracteriza a modernidade – entre a questão política e a reflexão ética, fazendo daquela um domínio praticamente autônomo em relação a esta última.

Mais do que o governante virtuoso ou o bom cidadão – questões concernentes ao âmbito privado e, mais ainda, assumidas como praticamente inalcançáveis nos termos antigos, tendo em vista o caráter finito e falho de nossa condição humana – o que interessa ao pensamento moderno é compreender o surgimento e as formas de exercício do próprio poder. Ou seja, como ele se mantém, e como devem ser organizadas as instituições nas quais aquele poder é exercido, sobretudo para que ele não se degenere em despotismo e tirania. Nesse sentido, a questão que o pensamento político moderno levanta é a seguinte: sem o recurso a Deus (difundido na teoria do direito divino dos reis, hegemônica na Idade Medida) ou ao conceito de “animal político” oriundo do aristotelismo, como se justifica a existência de um poder (Imperium) autônomo, criado pela própria sociedade para agir sobre ela? Como ele se realiza?

É sobre o pano de fundo deste questionamento que Maquiavel começa a operar aquele deslocamento entre ética e política, redefinindo este campo. Com efeito, dois elementos primordiais inscrevem Maquiavel na modernidade: 1) recusa à dimensão metafísica da reflexão política, abandonado em nome do realismo da “verdade efetiva” das coisas (o que o conduz à análise científica da história dos regimes políticos, especialmente de Roma, sem pressupostos teológicos ou metafísicos); e 2) confiança na ação humana como meio de transformação da vida social, ou seja, a compreensão da política como domínio da liberdade sobre o destino (fortuna).

Assim, uma das consequências mais importantes da posição maquiaveliana é compreender que a política não visa um fim de cunho moral, mas que ela se explica por uma lógica imanente a si mesma. Nas mãos do filósofo florentino, a política torna-se, portanto, uma ciência. Nesse sentido, convém observar, a primeira definição de Maquiavel acerca deste conceito é a de que a política é um exercício do poder. Logo, que sua coerência e sua eventual “moralidade” se encerram na própria tarefa de conservar o poder, garantindo a estabilidade do corpo político e, portanto, da vida social, sem a qual não é possível viver em paz e progredir (vale lembrar que a Florença de Maquiavel sofreu com numerosas crises políticas, trocas de governo etc., o que levaram à cidade à ruína).

No entanto – e essa é uma das principais novidades trazidas pela reflexão maquiaveliana – o exercício da atividade política (ou seja, do poder) se assenta na divisão social que atravessa a vida pública. Como explica, por exemplo, no capítulo IX de O príncipe: “Em todas as cidades acham-se essas duas tendências diferentes e isso vem do fato de que o povo não quer ser governado nem oprimido pelos poderosos, e estes desejam governar e oprimir o povo”. Cumpre observar que os desejos que dividem a cidade não são simetricamente opostos, mas de ordens diferentes. Não se trata da luta entre duas classes que desejam dominar uma à outra: os poderosos, sim, desejam governar e oprimir. Mas, o povo, apenas deseja não ser governado ou oprimido.

Sendo assim, é preciso complementar aquela primeira definição acerca da política: ela não é apenas exercício do poder, mas é, fundamentalmente, uma disputa de forças pelo exercício do poder. Ora, o pensamento antigo pautava a busca pelo regime ideal tendo em vista o reforço à coesão e à harmonia na vida pública. Em Maquiavel, passa-se quase o oposto. Pois, o filósofo não enxerga nessa disputa, nascida da oposição entre os desejos que permeiam a sociedade, um fator indesejável a priori, mas um caminho fecundo para a prosperidade social. Tudo depende, no seu entender, da resposta política oferecida pela sociedade para canalizar aquele conflito. O caso de Roma, neste aspecto, é exemplar.

Nos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel lembra que, em Roma, a agitação popular obrigou os poderosos a reconhecer a plebe como sujeito político, ou seja, como iguais. Assim foram criados os tribunos da plebe, câmaras compostas exclusivamente de representantes populares que atuavam junto ao Senado em defesa dos interesses plebeus. Essa saída institucional, diz o pensador, ao incluir no exercício do poder um setor outrora excluído da atividade política, promoveu um aumento da liberdade pública (da virtú popular), que patrocinou a construção da grandeza romana. Com efeito, no entendimento de Maquiavel, “as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são livres”, ou seja, quando seus membros têm garantia de que podem produzir e acumular bens, casarem-se e ter filhos, pois estão seguros de que poderão desfrutar de sua riqueza no futuro, tanto eles quanto sua prole. Esta segurança decorre diretamente da participação ou não no poder. Pois, na medida em que cada membro da República tem acesso ao poder – o mesmo poder dos demais, diga-se –, ele sabe que terá condições reais de evitar, por exemplo, o surgimento qualquer casuísmo que atente contra seus interesses (como uma mudança repentina nas leis, promovida por um grupo qualquer, que tome arbitrariamente seus bens ou seu patrimônio).

Nesse sentido, acrescenta ainda Maquiavel, “não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o interesse coletivo”. E o interesse coletivo se identifica, numa República democrática (a forma de regime mais estável, logo, mais desejável), primeiramente à liberdade e à sua preservação. Pois apenas num cenário de ampla liberdade pode-se ter segurança de que as leis serão respeitadas e que nenhum interesse particular prevalecerá sobre a res publica (coisa pública). E tendo em vista os desejos que caracterizam cada grupo social, não é difícil compreender porque o filósofo florentino reputa ao povo a defesa da liberdade. Segundo Maquiavel, há no povo “uma vontade mais firme de viver em liberdade”, porquanto a liberdade (ou seja, a participação no poder, a manutenção de seu caráter público) é precisamente a condição necessária para que ele possa se contrapor ao desejo da elite e não ser oprimido. Afinal, quando o povo é excluído do poder, ou seja, perde sua liberdade, o desejo que prevalece é a opressão por parte dos poderosos. Assim, se a política é uma disputa de forças pelo exercício do poder, é na República democrática que a atividade política encontra as condições de florescer, pois é nela em que há maior grau de liberdade para o maior número de cidadãos.

Enfim, no que diz respeito à definição do campo político, o que resta de mais importante do pensamento de Maquiavel é a tese de que, sendo uma obra exclusivamente humana, a ação política prescinde de justificativas transcendentes à sua lógica própria ou estranhas à sua dinâmica interna. Como consequência, a boa reflexão política é aquela que se atém à “verdade efetiva” das coisas, à “análise concreta de uma situação concreta”, como diria Lênin, séculos mais tarde. É este princípio que proporciona um diagnóstico exato da correlação das forças que disputam os rumos da vida social numa dada sociedade e num dado momento, permitindo ao governante a tomada de decisão mais eficaz para a conservação do poder, ou aos grupos em disputa, encontrar o melhor caminho para verem seus anseios contemplados. Por isso, ensina Maquiavel, não há espaços, na política, para generalizações precipitadas, tampouco para mistificações idealistas da realidade. Eis, finalmente, o sentido das recomendações ao detentor do poder expressas em sua obra mais famosa, O príncipe recomendações que tanto horror causaram à sua época, mas que hoje se mostram em plena consonância com a  essência da política real.

Referências bibliográficas

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio – “Discorsi”. 3ª edição revista. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, 1994.
____________________. O príncipe. In: Col. Os Pensadores. Trad. Olívia Bauduh. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1999.