domingo, 1 de setembro de 2013

O conceito de Deus na filosofia de Espinosa

Baruch de Espinosa é um dos mais importantes e instigantes pensadores de todos os tempos. A ponto de Henri Bergson, importante filósofo do século XX, declarar que “todo filósofo tem duas filosofias: a sua própria e a de Espinosa”.

Sua filosofia visava combater toda forma de superstição (aí incluso aquelas de caráter religioso) e servidão dos homens a seres e poderes irracionais ou ocultos, por meio de um racionalismo absoluto. Confiante nos poderes libertadores da Razão, Espinosa vê em seu bom uso o caminho para a aquisição de ideias adequadas sobre nós mesmos e o universo. Não por acaso, portanto, um dos pontos-chave da filosofia espinosana é seu conceito de Deus.

Na Ética, seu principal livro, Espinosa constrói geometricamente a gênese da ideia adequada de Deus. O ponto de partida espinosano é o conceito, caro à filosofia moderna, de substância. Substância é aquilo que existe em si e por si mesmo, e sem o qual nada que existe pode ser concebido. Se é assim, se toda substância só o é na medida em que é causa de si mesma, diz Espinosa, só pode haver uma substância no universo. Tal substância, ao causar-se a si mesma, causa a essência e a existência de todos os demais seres. A substância é, pois, o Absoluto. Esse Absoluto é o próprio Deus. Mas, da própria assimilação de Deus à substância uma que é causa de tudo o que há, não se pode pensar a entidade divina como um ser situado em outro local (portanto, transcendente, conforme acreditam as religiões como o cristianismo, o judaísmo ou o islamismo) mas de um ser imanente ao próprio universo. Quer dizer, Deus é o próprio universo, sua causa imanente, a substância absoluta que – forçosamente infinita (se fosse finita, teríamos de admitir a existência de uma outra substância que a limitasse), se exprime de infinitos modos. Deus sive Natura, Deus ou Natureza: não há distinção entre ambos, mas a própria Natureza é Deus na medida em que é a expressão (também temporalmente infinita) de Seus infinitos atributos. Por conseguinte, não há relação de servidão entre o homem e Deus, pois não há criação, no sentido teológico do termo. Cada um de nós é resultado do processo de auto-produção de Deus: exprimimos seu Ser e Ele existe através de nós.

Deste modo, a Ética derruba os pilares de todo o construto teológico-metafísico baseado na ideia da transcendência de Deus ao mundo, ou seja, erguido sobre a imagem de um ser supremo, apartado do mundo, que o criou a partir do nada, e que o conduziria de acordo com princípios incognoscíveis para nossa razão. Para Espinosa, Deus é a força imanente ao mundo e este é Sua expressão.

Naturalmente, a concepção espinosana é polêmica. Não por acaso, foi imediatamente condenada pela Igreja, que via nela uma ameaça a seu poder, baseado no monopólio da mediação entre o homem e Deus. Contudo, a meu ver, sua força e sua beleza residem justamente em seu poder de revelar, de modo visceral, a ligação imanente do finito ao infinito, o parentesco profundo que compartilhamos com a totalidade do universo, de modo que nenhuma religião, nem nenhuma filosofia posterior, seria capaz de exprimir. Melhor ainda: sem recorrer a qualquer forma de magia ou superstição, sem nos submeter servilmente a qualquer poder externo coercitivo, mas apenas seguindo os preceitos libertadores da Razão.

6 comentários:

  1. Há muito tempo vem lendo muitas coisas sobre este filósofo. Sempre me despertou muito interesse sua história de vida e seus pensamentos em relação as coisas do mundo e o conceito de Deus. Confesso que meu conhecimento acerca deste personagem fascinante ainda é superficial, porém as coisas que ele escreveu batem muito com aquilo que sempre pensei em relação as coisas da vida. Agradeço pela postagem e fico feliz em saber que muitas pessoas compartilham da filosofia deste cara genial.

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  2. Ainda bem que vc é um prof. de filosofia e trabalhando o caminho da libertação,todos nós no nosso interior ansiamos por uma libertação,do que ñ sabemos e através de leituras como a que vc postou vamos conseguindo matar a charada e dinheiro no banco nunca trouxe solução nenhuma p/ nenhum de nós,muito grata.

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  3. Estou estudando Espinosa na faculdade, e estou com dúvida sobre seu conceito de amor no livro Breve tratado de Deus do homem e do bem estar, você poderia falar um pouco disso por favor?
    obrigada

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    1. Olá, Blenda,

      Infelizmente não conheço essa obra do Espinosa.

      Grato pela visita!

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  4. NÃO tem como a razão humana estabelecer um conceito universal e preciso sobre a existência de Deus. DEUS é uma questão de fé. FÉ no meu entendimento é uma força motriz transcendental de cada sujeito no
    mundo fenomeneco mundo fenomeneco. Como disse Espinosa: DEUS é a substância em si por si mesma . Única e universal.

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