terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

América Latina e Europa: perspectivas antagônicas diante da crise capitalista

No último dia 30 de janeiro, o ex-presidente Lula fez, em Cuba, um belo discurso de encerramento da 3ª Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo (ver aqui). Nele, Lula destacou, com a clareza que lhe é peculiar, a necessidade da integração latino-americana, tema caro a José Martí (líder da independência cubana, que foi homenageado no evento) e destacou ações de seu governo, e dos governos da onda progressista que varre o continente, que nos ajudaram a melhorar os indicadores sociais e a enfrentar, da maneira menos traumática possível, a crise capitalista mundial. 

Curiosamente, no mesmo dia, aqui na França, mais uma manifestação por melhores salários e condições de emprego, agora dos funcionários públicos, foi reforçada pela divulgação de índices econômicos e sociais nada animadores para os franceses: 285.000 desempregados em 2012, atingindo 10,25% da população (o segundo pior ano, em termos de desemprego, da história francesa), 0,3% de crescimento previsto para 2013 e 1132 fábricas fechadas nos últimos três anos. Some-se a isso o iminente fechamento de unidades de outras grandes indústrias, como a Renault, a Goodyear e a Virgin, bem como os estudos que mostram uma grande porcentagem dos franceses que vivem em habitações precárias, e se terá uma boa amostra do quadro social preocupante da França (que não se difere de grande parte do panorama europeu).

O contraste é evidente: enquanto o desemprego, no Brasil, por exemplo, atingiu o menor nível histórico em 2012, o poder de compra dos salários subiu, as condições de vida da parcela mais pobre da população melhoraram e a desigualdade social atenuou-se, em grande parte da Europa, dá-se o inverso. Aliás, é uma situação duplamente antagônica: afinal, não apenas os momentos de América Latina e Europa são díspares quanto – e esse é o dado relevante – o lado mais atingido pela crise, possivelmente pela primeira vez na história, mudou. O grande número de pedintes nas ruas e metrôs de Paris – levando-se em conta que estamos num país de primeiro mundo, com alto IDH etc. – reflete bem esse momento inédito.

Ora, mas tão curiosa quanto essa situação, que inverte os lados da história, é a “solução” que os europeus, novamente em oposição à receita latino-americana, insistem em adotar para sair da crise. Inclusive aqui na França, com um governo teoricamente mais à esquerda, mas que, na prática, e por conta de fortes pressões, neste ponto pouco tem se diferenciado de seu antecessor (não por acaso, aliás, os jornais franceses indicam que a lua de mel dos movimentos sociais com Hollande parece ter chegado ao fim). Curiosa porque, se, como bem explicou Lula no discurso supracitado, as políticas públicas levadas a cabo pelos governos de esquerda da região (distribuição de renda via programas sociais, expansão do mercado interno, e consequente diminuição das desigualdades históricas etc.) foram determinantes no enfrentamento positivo da crise, aqui se pressiona (a começar pela mídia) no sentido diametralmente oposto: reivindica-se a reformulação do papel do Estado e da função pública na vida cotidiana, com a desculpa de se cortar gastos para garantir o equilíbrio fiscal, e assim desmantelar o “caro” Estado de Bem-estar social.

Essa receita europeia nada tem de nova: trata-se, afinal, da adoção ainda mais aprofundada do falido receituário neoliberal, que submete o interesse coletivo ao interesse privado (no caso, dos bancos, das grandes corporações etc., únicos a ganhar com a crise). Diante disso, o problema que se coloca é que o “antídoto” europeu à crise – e que infelizmente, vale insistir, mesmo o governo socialista francês, eleito sob a égide do changement (mudança) tende a adotar – é justamente o que está na origem da própria crise: a ausência de controles estatais sobre a circulação do capital, a financeirização crescente da economia, o aumento astronômico da liquidez do capital ficíticio das grandes empresas, a subordinação da res pública, isto é, da “coisa pública” ao setor privado, a dissolução das conquistas sociais etc. Ora, a única solução plausível no combate à crise é justamente reverter essa lógica – que, no limite, é a própria lógica do capital em sua fase contemporânea. Mas, para isso, é preciso um Estado ativo, orientado por políticas públicas eficazes, direcionadas para o crescimento com distribuição de renda, para geração de emprego e aumento do poder de compra do salário, para o fortalecimento do mercado interno nacional e para a garantia de direitos, e não um poder público vassalo das regras ditadas pelo mercado. “É o óbvio”, disse Lula em sua conferência. Faltam os governantes dos países centrais do capitalismo, especialmente aqueles mais à esquerda, como Hollande, perceberem tamanha obviedade. Como complementou o ex-presidente brasileiro, ganharíamos todos com esse gesto.

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