quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um menino, uma banda, um sonho


Corriam os primeiros meses do ano 2000. O mundo não tinha acabado, e eu me preparava para cair na noite pela primeira vez. Primeira balada. Primeira vez que ficaria até altas horas na rua. Era sábado à noite, festa organizada pelo colégio onde estudava. Nada demais. Mas, como seria a tônica dali para frente, estava ansioso. Muito ansioso. Inseguro. Não sabia o que esperar, como me comportar. Muitos de meus amigos já tinham certa experiência no assunto. Eu não. Caseiro e extremamente tímido, minha vida social até então (tinha 14 anos à época) limitava-se a sair para comer pizza com a turma, ir ao cinema ou coisas assim. Agora, de alguma forma, eu dava um passo além. Para mim, ao menos, era.

Sem saber muito o que fazer para matar o tempo até às 23 horas, quando deveria chamar meu pai, que então dormia, para me levar, me fechei no meu quarto e decidi ouvir um pouco de música para tentar me distrair. A escolha, àquela altura, só poderia ser uma: algum CD de rock, especialmente do Kiss, à época a banda que eu mais ouvia e tentava, na minha guitarra, copiar. Coloquei o mítico álbum Destroyer, de 1976, e meio que por impulso, pulei para uma de minhas faixas prediletas, “Shout it out loud”. O Kiss, como se sabe, nunca foi uma banda marcada por letras profundas, mas conta, ao longo de sua trajetória, com algumas peças e versos interessantes, especialmente sobre a necessidade de aproveitarmos a vida ao máximo, acreditar em nosso potencial, além de várias canções sobre o amor, sexo e relacionamentos, como é de praxe no rock’n’roll, especialmente no chamado hard rock. E “Shout it out loud”, naquele momento, me caiu como uma luva. Não era bom de inglês, acabara de começar fazer um curso particular, mas conhecia algumas letras e suas respectivas traduções através de revistas que comprava. Ao ouvir uma canção sobre alguém que quer ter um pouco de diversão e precisa se sentir confiante, aquela música parecia feita para aquele meu momento: “’cause it’s time o take a stand”, dizia o último verso, que eu repeti na minha cabeça aquela noite toda, e durante outras vezes mais.

Muitos anos se passaram. Algumas conquistas, muitas cabeçadas, a companhia de pessoas certas, acrescidas a alguns aninhos de terapia, me fizeram me conhecer melhor, e conhecer um pouco mais do mundo que me cerca. Fizeram-me superar um pouco a timidez, a insegurança, e até certa baixa auto-estima. Mas, de alguma forma, mesmo que indiretamente, aquela banda de cabeludos mascarados participou de todo esse processo. Afinal, era o Kiss uma das trilhas sonoras que me ajudavam a prolongar o êxtase dos momentos de alegria – como quando passei no vestibular, ou comecei a namorar minha atual esposa –, ou que também arranhava na guitarra para descontrair e sonhar. Também era o Kiss que eu colocava quando tentava ou precisava ficar “pra cima” nos (nada raros em certo período) momentos de depressão, incerteza, angústia e medo.

Apesar disso, nunca achei que os veria pessoalmente. Quando eles vieram para o Brasil pela terceira vez, em 1999, tinha acabado de conhecê-los. Aliás, foi um cartaz anunciando aquele show da Psycho Circus Tour, na antiga revista Showbiz (que acho que nem existe mais), que me encantou. Ficava olhando aqueles personagens que variavam, dependendo do ângulo, entre palhaços (no bom sentido) e demoníacos, e dizia para mim mesmo: “preciso saber quem são esses caras”. Depois de muitas idas e vindas (deles e minha), o Kiss retornou ao Brasil em 2009. No entanto, a falta de $$, mais os compromissos acadêmicos do mestrado que eu fazia à época, abortaram minha chance de vê-los. Sinceramente, já tinha desencanado da possibilidade de ir a um show – afinal, nunca se sabe até quando vai o fôlego de uma banda quase quarentona –, quando eles anunciaram um novo disco para 2012, Monster, e uma turnê que passaria por essas bandas. Depois de ouvi-lo e aprová-lo, só poderia comprar meu ingresso para o show de Sampa e, quase sem querer, realizar um velho sonho adolescente – mesmo que não tenha oportunidade de conhecer um de meus integrantes preferidos, o guitarrista Ace Frehley, que infelizmente não está mais na banda.

Enfim, muita coisa aconteceu desde aquele sábado à noite. Muita mesmo. Mas, de alguma forma, um pouco do que sou hoje, e mesmo daquilo que desejo e sonho (para mim e para o mundo), ainda devo à influência inesperada daquela banda norte-americana de rock alegre e descompromissado. Por isso, toda vez que me pego ouvindo alguma música do Kiss, para além das memórias que muitas me trazem, não posso deixar de gritar bem alto, mesmo que seja só dentro da minha cabeça: “obrigado”.

A seguir, um vídeo devastador de “Shout it out loud”, abrindo o primeiro show da Reunion tour, turnê que marcou a volta da formação original da banda, em 1996 (e durou até 2002).





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