Corriam os primeiros meses do ano
2000. O mundo não tinha acabado, e eu me preparava para cair na noite pela
primeira vez. Primeira balada. Primeira vez que ficaria até altas horas na rua.
Era sábado à noite, festa organizada pelo colégio onde estudava. Nada demais.
Mas, como seria a tônica dali para frente, estava ansioso. Muito ansioso.
Inseguro. Não sabia o que esperar, como me comportar. Muitos de meus amigos já
tinham certa experiência no assunto. Eu não. Caseiro e extremamente tímido,
minha vida social até então (tinha 14 anos à época) limitava-se a sair para
comer pizza com a turma, ir ao cinema ou coisas assim. Agora, de alguma forma,
eu dava um passo além. Para mim, ao menos, era.
Sem saber muito o que fazer para
matar o tempo até às 23 horas, quando deveria chamar meu pai, que então dormia,
para me levar, me fechei no meu quarto e decidi ouvir um pouco de música para
tentar me distrair. A escolha, àquela altura, só poderia ser uma: algum CD de
rock, especialmente do Kiss, à época a banda que eu mais ouvia e tentava, na
minha guitarra, copiar. Coloquei o mítico álbum Destroyer, de 1976, e meio que por impulso, pulei para uma de
minhas faixas prediletas, “Shout it out loud”. O Kiss, como se sabe, nunca foi
uma banda marcada por letras profundas, mas conta, ao longo de sua trajetória,
com algumas peças e versos interessantes, especialmente sobre a necessidade
de aproveitarmos a vida ao máximo, acreditar em nosso potencial, além de várias
canções sobre o amor, sexo e relacionamentos, como é de praxe no rock’n’roll, especialmente no chamado hard rock. E
“Shout it out loud”, naquele momento, me caiu como uma luva. Não era bom de
inglês, acabara de começar fazer um curso particular, mas conhecia
algumas letras e suas respectivas traduções através de revistas que comprava.
Ao ouvir uma canção sobre alguém que quer ter um pouco de diversão e precisa se
sentir confiante, aquela música parecia feita para aquele meu momento: “’cause
it’s time o take a stand”, dizia o último verso, que eu repeti na minha cabeça aquela
noite toda, e durante outras vezes mais.
Muitos anos se passaram. Algumas
conquistas, muitas cabeçadas, a companhia de pessoas certas, acrescidas a
alguns aninhos de terapia, me fizeram me conhecer melhor, e conhecer um pouco
mais do mundo que me cerca. Fizeram-me superar um pouco a timidez, a
insegurança, e até certa baixa auto-estima. Mas, de alguma forma, mesmo que
indiretamente, aquela banda de cabeludos mascarados participou de todo esse
processo. Afinal, era o Kiss uma das trilhas sonoras que me ajudavam a
prolongar o êxtase dos momentos de alegria – como quando passei no vestibular,
ou comecei a namorar minha atual esposa –, ou que também arranhava na guitarra
para descontrair e sonhar. Também era o Kiss que eu colocava quando tentava ou
precisava ficar “pra cima” nos (nada raros em certo período) momentos de depressão,
incerteza, angústia e medo.
Apesar disso, nunca achei que os
veria pessoalmente. Quando eles vieram para o Brasil pela terceira vez, em
1999, tinha acabado de conhecê-los. Aliás, foi um cartaz anunciando aquele show
da Psycho Circus Tour, na antiga
revista Showbiz (que acho que nem
existe mais), que me encantou. Ficava olhando aqueles personagens que variavam,
dependendo do ângulo, entre palhaços (no bom sentido) e demoníacos, e dizia
para mim mesmo: “preciso saber quem são esses caras”. Depois de muitas idas e
vindas (deles e minha), o Kiss retornou ao Brasil em 2009. No entanto, a falta
de $$, mais os compromissos acadêmicos do mestrado que eu fazia à época,
abortaram minha chance de vê-los. Sinceramente, já tinha desencanado da
possibilidade de ir a um show – afinal, nunca se sabe até quando vai o fôlego
de uma banda quase quarentona –, quando eles anunciaram um novo disco para
2012, Monster, e uma turnê que passaria por essas bandas. Depois de ouvi-lo e
aprová-lo, só poderia comprar meu ingresso para o show de Sampa e, quase sem
querer, realizar um velho sonho adolescente – mesmo que não tenha oportunidade
de conhecer um de meus integrantes preferidos, o guitarrista Ace Frehley, que infelizmente não está mais na banda.
Enfim, muita coisa aconteceu
desde aquele sábado à noite. Muita mesmo. Mas, de alguma forma, um pouco do que
sou hoje, e mesmo daquilo que desejo e sonho (para mim e para o mundo), ainda devo
à influência inesperada daquela banda norte-americana de rock alegre e
descompromissado. Por isso, toda vez que me pego ouvindo alguma música do Kiss,
para além das memórias que muitas me trazem, não posso deixar de gritar bem
alto, mesmo que seja só dentro da minha cabeça: “obrigado”.
A seguir, um vídeo devastador de
“Shout it out loud”, abrindo o primeiro show da Reunion tour, turnê que marcou a volta da formação original da
banda, em 1996 (e durou até 2002).
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