quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Perspectivas políticas para 2012

2012 promete ser um ano politicamente movimentado. Quiçá, histórico. Não, não pelo suposto fim do mundo previsto pelos maias, mas por ser um ano em que a crise do sistema capitalista, centrada na Europa, deve se aprofundar ainda mais (inclusive com um possível fim do Euro), o que, naturalmente, gerará reverberações por todos os lados. Netse cenário, teremos um ano com vários processos eleitorais importantes, que se desenvolvendo na esteira da crise, podem ter resultados imprevistos – e, torçamos, positivos para a esquerda. Na própria Europa, França e Rússia são os casos que mais despertam atenção. Na América, Venezuela e EUA. Além, claro, das eleições municipais brasileiras.

Na França, os impactos da crise econômica, somados ao descontentamento generalizado com o governo Sarkozy, pode garantir ao Partido Socialista, pela segunda vez na história, o direito de governar o país. É fato que o PS, assim como a social-democracia europeia de modo geral, precisa recuperar seu norte político, perdido após sua conversão ao neoliberalismo. Mas, pelo que foi apresentado até aqui, os efeitos nefastos da opção ideológica tomada nos anos 1980 parece não ter terminado. Aliás, é forçoso (e obviamente preocupante) notar o quanto a esquerda europeia, ao menos aquela historicamente capaz de angariar mais votos e penetração na sociedade, parece incapaz de propor uma alternativa à crise econômica que não seja repetir, mesmo que de maneira menos ortodoxa, o receituário proposto pela direita liberal. E, desse modo, afundar-se cada vez mais, como aconteceu recentemente com o Partido Socialista Espanhol, abrindo caminho para a direita, inclusive a autoritária. Mas, mesmo com um programa modesto diante da situação catastrófica que vive a União Europeia, seria um passo importante na geopolítica do continente uma vitória da esquerda francesa. De preferência, em conformidade com a ampliação da força da Frente de Esquerda, agrupamento mais radical do que o PS, e que poderia, inclusive, fazer com que esse desse passos mais ousados na ruptura com o modelo imposto na zona do Euro.

Na Rússia, em meio às denúncias de irregularidades nas eleições legislativas de 2011, passou quase despercebida a consolidação do Partido Comunista da Federação Russa como a segunda maior força política do país. Independente da apreciação que se possa fazer de seu programa atual (no momento, não tenho elementos para me aprofundar nesse tema), não deixa de ser ao menos digno de nota que, 20 anos após o fim da União Soviética, o PC russo – que para muitos tinha sido enterrado junto com a bandeira vermelha, a foice e o martelo – retorne com força ao cenário político local. Além disso, embora seja quase certa a vitória de Vladimir Putin, do partido Rússia Unida (maior força política do parlamento russo hoje), números de recentes pesquisas de opinião demonstram grande insatisfação da população russa quanto à situação social, política e econômica atual. Notadamente, no que tange a concentração de riquezas, a generalização da corrupção e a piora da qualidade de vida, dentre outros fatores surgidos após a dissolução da URSS. Por exemplo, segundo levantamento feito pelo instituto norte-americano Pew Research Center (veja a matéria detalhada, em espanhol, aqui), apenas cerca de metade dos russos se mostra a favor do pluripartidarismo; 63% se dizem insatisfeitos com o funcionamento de sua democracia; 70 % declaram que um “homem forte” é mais capaz de resolver os problemas do país do que o atual sistema democrático; somente 42% defendem a economia de mercado; e, para a maioria, a relação entre os grupos étnicos, a moral pública, a solidariedade, os valores familiares e espirituais, assim como o orgulho nacional, pioraram desde que a URSS foi dissolvida. Para esta parcela majoritária da população, empresários e políticos foram, de longe, aqueles que mais se beneficiaram com a mudança de regime. E entendem que uma economia próspera é mais importante que um governo democrático. Esses índices, que não deixam de causar surpresa, são ainda mais radicais nos outros dois países estudados, também membros da antiga União Soviética: Ucrânia e Lituânia. Com tal cenário, a conjuntura política do país torna-se menos previsível, e, quem sabe, a esquerda possa conquistar ainda mais espaço.

Na América, as atenções se voltam para os dois maiores rivais hoje no continente: EUA e Venezuela. Embora tenha recentemente conquistado algum capital político junto ao eleitorado mais conservador, mormente por conta de “sucessos” de sua política externa, como a morte de Bin Laden e Kaddaffi, além da retirada das tropas do Iraque, a vitória de Obama não é certa. Para os mais progressistas, o governo Obama decepcionou. As recentes declarações de frustração e desapontamento do ator e diretor Matt Damon (leia aqui), um dos maiores entusiastas de sua campanha em 2008, são uma boa demonstração. No entanto, pelo que se nota, a principal preocupação do candidato democrata é outra. Obama sabe que o recrudescimento dos setores conservadores no país – expresso, por exemplo, pela consolidação do movimento radical Tea Party –, fortalecidos pela crise econômica que se arrasta desde 2008, e que promete se agravar ainda mais esse ano por conta do cenário europeu, é uma séria ameaça à sua permanência na Casa Branca. Por isso, parece propositadamente criar uma tensão com o Irã – e, quem sabe, promover uma “incursão” das tropas do país em nome da “segurança” e da “democracia” na terra de Ahmadinejad, isto é uma nova guerra – o que sempre é capaz de angariar a simpatia dos dementes conservadores do país, e garantir mercado para sua fortíssima indústria bélica. Assim, mais uma vez, a guerra mataria dois coelhos com uma cajadada só. Além claro, de mais algumas centenas de milhares de inocentes, que, azarados, não votam nas eleições norte-americanas.

Na Venezuela, a velha, mas inevitável, luta de classes: de um lado, Chávez e a população mais humilde, diretamente beneficiada pelas conquistas econômicas e sociais da Revolução Bolivariana, como a distribuição de renda, a entrega de casas populares, a diminuição do desemprego, o fortalecimento das cooperativas, o fomento à participação política na vida do país etc.; de outro, a elite raivosa do país, a mídia e, de lambuja, o apoio aberto dos EUA. Por ser hoje o país latino-americano mais radicalizado em termos políticos, com um processo revolucionário francamente em curso (ainda que, naturalmente, se possa e se deva fazer críticas a alguns aspectos desse processo), o destino das eleições da Venezuela trará, mais do que qualquer outro, consequências não só para seu povo, mas para todo o continente. Dito de outro modo: uma derrota de Chávez será um golpe duríssimo para a esquerda latino-americana e, em maior ou menor grau, para todos os governos progressistas da região.

No Brasil, as eleições municipais provavelmente se desenrolarão, para além das idas e vindas do segundo ano do governo Dilma, sobre o pano fundo de dois processos que devem agitar a vida política do país. Primeiramente, a CPI da Privataria. Com instalação prevista para fevereiro, a CPI tem tudo para ser o mecanismo que nos permitirá passar a limpo o maior escândalo de corrupção e entrega do patrimônio público da história brasileira: os processos de privatização levados a cabo durante o governo FHC. Além disso, é provável que, neste ano, tenhamos finalmente o julgamento do chamado “mensalão”, que, dependendo de seu desenrolar, poderá servir de (único) ponto de apoio para o jogo político da oposição (ou o que resta dela). Trataremos com mais cuidado, ao longo do ano, dessas questões, com especial atenção aos processos eleitorais de algumas importantes cidades do país, mas com destaque, claro, à minha São Carlos, onde o PT visa conquistar seu quarto mandato consecutivo.

Ademais, é preciso ficar atento aos próximos movimentos do governo Dilma. Em seu primeiro ano, alguns passos bastante positivos foram dados, como a continuidade e aperfeiçoamento de políticas públicas do governo Lula, sobretudo no que diz respeito às políticas de crescimento econômico visando fortalecimento do mercado interno, a distribuição de renda e o combate à miséria. Educação, com a aprovação do piso nacional do magistério, por exemplo, e saúde, com a política de fortalecimento do SUS, também dão sinais de que poderão ocorrer mais – e dramaticamente necessários – avanços nos próximos anos. A política externa manteve sua linha de soberania, privilegiando a integração continental, com destaque para as iniciativas da Unasul e da CELAC. Em outros setores, porém, como na Cultura, nas políticas de Reforma Agrária, e no Meio Ambiente, o governo Dilma, inexplicavelmente, andou para trás. Neste último, aliás, vale lembrar que o Brasil sedia a conferência Rio+20 neste ano, e se quiser manter-se como referência na área de preservação ambiental e combate às mudanças climáticas, terá de reverter o fraco desempenho do primeiro ano. Por fim, também vale destacar que 2012 pode marcar a votação – ou completo abandono – de uma proposta de reforma política, bem como de uma reforma tributária, ambas tão urgentes para aperfeiçoarmos e radicalizarmos nossa democracia.

Antes de terminar, vale mencionar outros pontos que também podem ter relevância na conjuntura política de 2012: os desdobramentos da “primavera árabe”; a situação do Oriente Médio, capitaneada, como já mencionada, pela tensão entre EUA (e União Europeia) e Irã; os primeiros passos do obscuro (como quase tudo naquele país) Kim Jong-Un à frente da Coreia do Norte e de seu potente arsenal nuclear; o prosseguimento da “atualização” do sistema socialista cubano, que tanto pode abrir novas (e boas) perspectivas, não apenas para os cidadãos da ilha, mas também para todos aqueles que se identificam com os valores do socialismo, como pode significar o encaminhamento definitivo da restauração capitalista, nos moldes do que ocorreu na União Soviética; e, possivelmente mais importante, os novos ecos da crise econômica europeia, que certamente se farão sentir, em maior ou menor grau, em outras partes do globo, inclusive no Brasil, e que podem dar novos, e mesmo imprevistos contornos à conjuntura nacional e internacional, especialmente se conformada ao fortalecimento dos movimentos de massa que ganharam as ruas em 2011. Aguardemos o decorrer do ano.

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