sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz 2012!

O blog Filosofia e coisas da vida deseja a todos amigos e leitores:
















Muitas felicidades, alegria, saúde e paz!

Pessoalmente, depois de mais um belo ano, de conquistas e novidades, seja no âmbito pessoal, seja no profissional, o ano de 2012 tem tudo para tornar-se um ano inesquecível, de grandes mudanças, e que marcará definitivamente minha união com uma pessoal super especial!

E ano que vem, continuaremos por aqui, escrevendo, analisando, refletindo e nos divertindo.
Até 2012!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Silvio Rodriguez - Canción de Navidad

Para celebrar esta data, deixo vocês com uma belíssima canção do cubano Silvio Rodriguez.
Feliz Natal a tod@s!!!






Canción de Navidad

I
El fin de año huele a compras,
O final do ano cheira a compras,

enhorabuenas y postales
parabéns e postais

con votos de renovación;
com votos de renovação;

y yo que sé del otro mundo
e eu, que sei de outro mundo

que pide vida en los portales,
que chama para vida nos portais

me doy a hacer una canción.
a ele faço uma canção

La gente luce estar de acuerdo,
As pessoas parecem concordar

maravillosamente todo
todos lindamente

parece afín al celebrar.
parecem afim de celebrar.

Unos festejan sus millones,
Alguns festejam seus milhões

otros la camisita limpia
outros a camiseta limpa

y hay quien no sabe qué es brindar.
e há os que não sabem o que é brindar.

Refrão:
Mi canción no es del cielo,
Minha cancção não é do céu,

las estrellas, la luna,
das estrelas, da lua,

porque a ti te la entrego,
porque a entrego para você

que no tienes ninguna.
que não tem nenhuma.

Mi canción no es tan sólo
Minha canção não é, tampouco,

de quien pueda escucharla,
de que possa escutá-la

porque a veces el sordo
porque às vezes o surdo

lleva más para amarla.
tem mais motivos para amá-la

II
Tener no es signo de malvado
Ter não é signo de maldade

y no tener tampoco es prueba
e não ter tampouco é prova

de que acompañe la virtud;
de que a virtude acompanha;

pero el que nace bien parado,
mas aquele que nasce numa boa posição

en procurarse lo que anhela
para adquirir o que deseja

no tiene que invertir salud.
não precisa gastar sua saúde.

Por eso canto a quien no escucha,
Por isso cantos a quem não ouve

a quien no dejan escucharme,
a quem não deixam me ouvir

a quien ya nunca me escuchó;
a quem nunca me ouviu;

al que su cotidiana lucha
àquele que em sua luta cotidiana

me da razones para amarle
me dá motivos para amá-lo

a aquel que nadie le cantó.
àquele que ninguém cantou.

Refrão

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A história sendo escrita

Decidi esperar um pouco para escrever sobre a final do Mundial de Clubes do último domingo, para evitar qualquer avaliação elaborada no calor do momento, no êxtase provocado pelo futebol do Barcelona. Acho que não consegui. Marx dizia que não se julga uma época pela opinião das pessoas que viveram naquela época, pois faltaria a elas, naturalmente, perceber a dimensão e as consequências que são atos causariam. O bom e velho “olhar distanciado”, que permite compreender retrospectivamente, de maneira mais profunda e “racional”, menos “emocional”, o que se passou. Na maioria dos casos, isso se aplica perfeitamente, sobretudo em domínios como a política ou a economia. Mas, às vezes, é possível se afirmar, mesmo sem o devido distanciamento histórico, que estamos diante de um fato que claramente “entrará para a história” e, certamente, terá um impacto duradouro em determinada área da vida social, ou mesmo em toda ela. No caso do futebol, entendo que vivemos algo assim. Talvez ainda esteja tocado pelo que vi nos últimos tempos. Mas, de qualquer forma, não poderia deixar de escrever algumas linhas, mesmo que seja para renegá-las ou redimensioná-las mais tarde.

É difícil acrescentar alguma adjetivação ao futebol do Barcelona que já não tenha sido elencada nos últimos tempos e, no caso brasileiro em particular, desde o último domingo às 10h30min, mais ou menos quando o baile do time catalão sobre o Santos terminou. Aliás, é preciso registrar: precisou que o Barcelona massacrasse o time mais badalado do país para que uma parte da imprensa e da torcida finalmente entendesse a dimensão do que estamos vivenciando neste esporte. Na minha opinião, resumiria simplesmente como revolucionário.

Se houvesse justiça ou lógica no futebol, o Barcelona seria campeão de tudo por alguns anos ainda. Como não há (em geral, ainda bem!), perderá jogos e títulos. E é provável que, na primeira derrota, alguém diga “Ta vendo? não é mais o mesmo”, “Antes dava sorte!” etc. Ou seja, aqueles absurdos de sempre, de quem se nega a enxergar o óbvio. Para mim, o fato é que estamos diante da história do futebol sendo escrita e, neste caso, o monopólio de um clube seria mais do que bem vindo para quem aprecia o esporte e quer vê-lo cada vez melhor, o que significa, praticamente: é preciso que os clubes, dentro de suas particularidades e limitações, se inspirem, um pouquinho que seja, nas aulas dadas pelos comandados de Pep Guardiola. Mesmo esse pouco, num momento em que o futebol anda tão centrado na marcação, na velocidade, na força física, já faria um bem danado a todos que amamos este esporte. Aliás, quem sabe, sendo um pouco mais utópico, a ideologia do belo futebol do Barcelona não poderia influenciar também a renovação e o arejamento de outras esferas de nossa sociedade e de nossas vidas, tão carentes de alguma beleza e esperança?

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

São Paulo: aniversário e reflexão

Hoje, o São Paulo Futebol Clube celebra mais um aniversário. Se sua história é um motivo de orgulho para todo torcedor, o fato é que o ano de 2011 não tem praticamente nada que merecesse alguma comemoração, exceto os recordes batidos por Rogério Ceni. Não é tempo de festa para os lados do Morumbi, mas de reflexão. Reflexão que não foi feita diante de um desastroso de 2010, como este blog sugeria há pouco mais de um ano (link aqui), e que poderia ter evitado uma nova temporada infeliz, como a que vivemos em 2011.

E o futuro, novamente, não é muito animador. Por enquanto, as movimentações do clube não empolgam nem o mais otimista dos torcedores. De promessas a respeito de Nilmar e Montillo, a realidade é que o SPFC se aproxima de contratações como Paulo Miranda (Bahia) e Maicon (Figueirense). Basicamente, mais do mesmo. Dos nomes mais próximos até aqui, apenas o volante Fabrício chega para ser titular.

Não seria a hora de a diretoria, a começar por seu presidente, repensar métodos e estratégias – métodos e estratégias que, se deram certo outrora, desde 2009 têm se mostrado equivocadas e ultrapassadas? Creio que sim. Aliás, se o SPFC não se repensar seriamente, da mesma maneira que fez no início da década passada, corremos o risco de ficar cada vez mais distantes de nossos adversários.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nasce a CELAC

Ocorreu nos dias 02 e 03 de dezembro na capital venezuelana, Caracas, a primeira reunião da CELAC (ver post abaixo). Como vale sempre ressaltar, é um dos passos mais ousados no processo de integração latino-americana e luta contra o imperialismo, porquanto, pela primeira vez na história, todos os países da região se reuniram para decidir seu destino sem a presença (logo, a tutela) dos EUA (e do Canadá), baseados nos princípios de cooperação mútua, solidariedade e justiça social para os povos da região - ou seja, os ideais de Simón Bolívar e dos principais libertadores do continente.

Pude acompanhar, pela internet, a fala de diversos mandatários, inclusive a da presidenta Dilma. Em geral, os discursos foram muito bons. Todos centrados na busca por uma unidade que não sufoque, mas, pelo contrário, seja capaz de respeitar as diferenças de cada país, inclusive no que diz respeito ao posicionamento ideológico de cada governo – o que, obviamente, não é fácil. Contudo, quais serão os desdobramentos práticos, e se esse processo, em curso desde a década passada, irá se aprofundar ainda mais, só com o tempo saberemos. A intenção explícita é essa. Por ora, o que temos, concretamente, é uma declaração geral (intitulada Declaração de Caracas), um plano de ações para o próximo ano, um estatuto preliminar e uma série de moções, a mais importante delas em defesa da democracia na região, condenando qualquer tentativa de golpe na região, inclusive com sanções e, no limite, com a exclusão da Cúpula de algum país que, porventura, ferir suas regras constitucionais. Isso para não falar no já tradicional pedido de fim do bloqueio estadunidense a Cuba.

Abaixo, o link do Ministério de Relações Exteriores do Brasil com os principais documentos que saíram do encontro. Também ficou decidido que, no ano que vem, a CELAC se reunirá no Chile (que, portanto, assume a presidência pro-tempore do órgão), em 2013 em Cuba e, em 2014, na Costa Rica.

Principais documentos aprovados pela CELAC aqui

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Mais um passo na integração latino-americana

Amanhã, mais um importante passo na consolidação do processo de integração latino-americana, potencializado após a onda de governos progressistas que começou a tomar conta do continente a partir dos anos 2000, será dado. Solenemente ignorada pela mídia, a Venezuela recebe, nesta sexta e sábado, a primeira reunião da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Este organismo reunirá, pela primeira vez na História, chefes-de-estado de 33 países da região. As únicas – e propositais – exceções serão os EUA e o Canadá. Sua missão pode ser resumida nas seguintes palavras, presentes na Declaração de constituição da comunidade, em 2010: o objetivo da CELAC é reafirmar “a necessidade de realizar esforços, com nossos povos, que nos permitam avançar na unidade e na integração política, econômica, social e cultural, avançar no bem estar social, na qualidade de vida, no crescimento econômico e promover nosso desenvolvimento independente e sustentável, sobre a base da democracia, da igualdade e da mais ampla justiça social”.

Nesta primeira reunião, capitaneada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, a previsão é de que os temas ambientais e energéticos serão conformados às questões sociais num documento político, que também contará com a defesa da democracia, com o intuito de proteger os países membros de golpes de Estado e outras manobras anticonstitucionais.

Num momento de grave crise do capitalismo (e, no limite, de nossa própria existência), de recessão em vários dos países europeus e nos EUA, a CELAC, avançando na multi-polaridade, na fraternidade e na luta comum dos povos latino-americanos, pode configurar um polo de construção mais efetiva e aprofundamento de alternativas pós-neoliberais e antiimperialistas, mais do que nunca necessárias para a superação do sistema hegemônico vigente. Aguardemos, confiantes, os próximos passos.

Site Oficial: http://www.celac.gob.ve/
Acompanhe a CELAC ao vivo aqui
Twitter: @CelacVenezuela

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O tempo e a melancolia em "Brokeback Mountain"

É com enorme satisfação que, no centésimo post deste blog, reproduzo uma resenha do Prof. Dr. Lourenço Leite, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), intitulada "O tempo e a melancolia em Brokeback Mountain". O texto, que tece uma bela e fecunda análise do filme O segredo de Brokeback Mountain, foi publicado originalmente em 2008. Agora, o professor Lourenço o enviou gentilmente para a publicação também neste espaço, o que me deixou bastante honrado. Por isso, gostaria de agradecê-lo publicamente, e indicar também aos leitores a visita ao blog dele, http://bilenegra.blogspot.com/.

Antes da resenha, há o trailer do filme.





O tempo e a melancolia em Brokeback Mountain
(o amor é uma força da natureza)

por Lourenço Leite
Professor-adjunto de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA)


À Heath Ledger (Ennis Del Mar),
in memoriam.

O novo Éden configurado sob a égide do império moderno contemporâneo nos aponta para um lugar no futuro ou ulterior ao presente. Todavia, ele se apresenta quando ousamos olvidar a força da natureza. Adão, antes de possuir a capacidade de discernimento, (gerador do pecado original) tinha o dom de compreender as coisas pela via do simbólico, ou seja, ao experimentar algo em seu corpo a sensação partia diretamente em direção ao espírito. Não havia a intermediação da razão para legitimar se o sentido era verdadeiro ou falso. Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) ousaram invadir o solo sagrado da montanha Brokeback, i.é., seus corpos se tocaram com avidez desmesurada causando a chegada de Eros. A cada instante de conluio a eroticidade oriunda dos toques engendrava o pior de todos os sentimentos: o amor. Com força titânica, esse filho de Eros inflamava seus corpos, preenchia suas almas de deleite na soturna cabana da cumplicidade e trazia ao espírito a presença do absoluto. Entretanto, o Tempo não lhes permitia permanecer todo o tempo juntos. Para cada distanciamento e ausência a saudade do absoluto se tornava algo de insuportável. A megera indomável, a melancolia , tomava assento em suas vidas. Mas Ang Lee não se esquecera de trazer ao pico da montanha a presença de Euterpe vestida com os trajes do country americano. Em 2005, o mundo cinematográfico teve acesso a um dos mais belos, singelos e harmoniosos filmes sobre o amor entre dois homens do diretor Ang Lee baseado no conto de Annie Prouxl. Haja vista que filmes tais como Yossi & Jagger (Delicada Relação) de Eytan Fox ou Les Nuits Fauves (Noites Felinas) de Ciryl Collard, tenham abordado essa temática, contudo, o enfoque da melancolia, em Brokeback Mountain, ultrapasse os demais e se apresente muito original pelo fato de incluir a força da natureza in loco. Os demais estão contextualizados na esfera do urbano moderno.

Apesar do amor não ter sexo, nem cor, nem religião, nem estatura, nem formação científica, nem idade, o fato de se poder abordar o amor no âmbito de uma relação que ainda é tabu desmedido que fatalmente conduz à morte, a criatividade de Ang Lee, aliado a sua ousadia temática, consagra a real possibilidade de se iniciar uma jornada da arte cinematográfica que poderá imensamente contribuir com o estilhaçamento da homofobia. A cada mês mais de duas pessoas são assassinadas em Salvador por causa dessa peste inoculada em mentes impregnadas de vírus da hipocrisia e de intolerância. O outro, em sua real diferença e em sua inalcançável presença, continua a ser aniquilado ou rejeitado sob formas atrozes e inaceitáveis.

Nas interpretações simbólicas sobre o que significa a montanha, esse protagonista mor do filme, pode-se encontrar como sendo o centro das manifestações atmosféricas, encontro do céu e da terra, morada dos deuses, umbigo do mundo, meio de entrar em relação com a divindade e que só se deve acessá-la por intermédio de um guia, i.é., um iniciado em mistérios sagrados. Portanto, Brokeback é o lugar por excelência desse encontro com a transcendência do espírito humano que, no filme, é desencadeado pela força do amor. Mas, vale lembrar que os dois foram negligentes com a chegada desse sentimento vivido em solo sagrado. A aparição do urso que fizera Ennis cair do cavalo já prenunciara a entrada deles no templo da natureza, reino de Dioniso, senhor do tempo. Ou seja, ambos libertaram o monstro das cavernas de força primitiva. Em resposta a esse ultraje, o coiote prepara a oferenda em nome dos dois amantes sacrificando uma ovelha e desviscerando-a. O símbolo de despedaçamento (diasparagmós) é visto na mitologia como um rito de passagem por excelência, principalmente no mito de Dioniso. Isso representa o momento em que o iniciado deve se despir e se deixar fazer em partes para mais adiante se reunir de novo e atingir a compreensão do todo a partir de sua própria integridade.

O rio, contudo, separava aqueles cowboys do mundo terrestre e do mundo celeste. Havia algo, sim, entre os dois que impossibilitava esse encontro inseparável. O desejo de permanecer juntos era grande demais; o abismo entre eles precisava ser ligado por uma ponte. Mas a distância era grande demais: o visto do pai de Ennis Del Mar e de sua esposa era como o olho de Hera que não permitia a ilegitimidade de uma relação daquela envergadura. Ela poderia, sem sombra de dúvida, por em ruínas o rancho da moralidade familiar e social numa cidade que sobrevivia de enxertos formais.

A queda de Ennis Del Mar do cavalo não fora apenas porque o urso havia bramido e assustado as mulas, porém, seu urro marcava a iniciação de um rito de passagem que deveria ser anunciado brevemente a sua confirmação. A pancada na fronte e o sangue tornam-se o selo desse momento. Restava, contudo, que o alce, símbolo do crescimento e renascimento, mediador entre o céu e a terra, da velocidade e do temor, da timidez e ousadia trouxesse o temperamento melancólico sofrido pelo mal do amor ¬- essa doença incurável. Mesmo que se pusessem todos os ungüentos sobre essa ferida; que se fumassem todos os charutos; que se bebessem todos os uísques da provisão do acampamento; que se ajoelhasse diante da montanha, tudo isso era ineficaz e de nada adiantaria. A força de Eros aliada à força de Brokeback suplantaria qualquer tentativa de neutralização daquela paixão que já nascera amor. Esse filho da Fartura e da Pobreza renascia em cada sussurro no ouvido, em cada abraço semi-apertado, em cada batimento cardíaco, em cada respiração ofegante e não mais deixaria seus corpos nem suas almas. A única salvação estaria na morte! Mesmo porque, muito embora os deuses se ponham indiferentes a qualquer tipo de relação amorosa, seja homo ou hetero, eles não perdoam a mediocridade perante o amor. Segundo eles, na cama, ou seja, num enlace amoroso, não existe mais sexo como gênero; o que existe é o desejo um pelo outro que se realiza no prazer. Mas isso tem um preço, às vezes impagável em vida. O quinhão é a instalação da melancolia até que a morte se efetive. Ninguém poderá sobreviver depois de ter visto o espectro da plenitude. O lado obscuro, oriundo da tristeza do amado e do amante, cresce a cada ano e toma a forma da insuportável ausência do outro.

A montanha, assim como a interioridade dos cowboys, transforma-se como se anunciasse a chegada de uma tempestade. E chega! A estética cinematográfica de B. M. oscila entre a perfeita beleza dos picos da montanha com as passagens de mudança do tempo. O céu torna-se enublado, sombrio e tenebroso inverno. Chega, inclusive, o frio da desolação que nem os corpos podem fazer chegar o calor, mesmo que temporário. Era anunciada a hora da partida e com ela a da separação. Contudo, antes da partida, Jack precisava demonstrar, nem que fosse por uma última vez, como se laça um touro indomável. Essa aparente brincadeira, nas mãos do diretor faz do filme, a partir desse momento, uma das chaves mais importantes de abertura de um novo roteiro dentro do próprio filme. A Queda do Éden para a vida moral social. De um lado, Ang Lee engendra elementos simbólicos como a luta dos dois que faz sair sangue e se fixar em uma de suas roupas; de novo, a marca com sangue que selaria para sempre o amor de ambos. De outro, a queda adâmica em direção ao mundo das contradições, das imperfeições, da hipocrisia, da solidão, da tristeza, da incompreensão, da ausência do outro.

A sensação de poder nunca mais rever Jack Twist faz Ennis Del Mar, esse amante incondicional, vomitar quando houve a primeira separação. Seu ventre não suportava digerir sozinho aquele sentimento tão pesado e, ao mesmo tempo, tão pleno. Como iria suportar dormir sem estar laçado pelos seus braços; sem o sussurro de palavras que não se pode pronunciar; sem o sexo quente nas próximas noites frias de inverno. Era preciso retornar para sua nova Alma (Michelle Williams), porém, sem corpo e sem espírito. Não haveria nenhuma esperança, mesmo porque dois caras não poderiam, nem por hipótese, viver juntos, seja na cidade ou em um rancho isolados.

Ambos se casam, ambos têm filhos e ambos são infelizes sem a presença do outro. Quatro anos se passaram numa espera infindável antes que houvesse o primeiro reencontro. Esse silêncio fora quebrado pela chegada de um cartão postal enviado a casa de Del Mar pré anunciando a vinda de Twist. A ansiedade demonstrada por Ennis no dia da possível chegada de seu amado era estonteantemente marcada pelas bebidas e pelos cigarros emendados um atrás do outro. Mas, muito embora, aquele reencontro fatídico para a Alma de Del Mar fundasse sua separação, confirmaria com toda a impulsividade que um amor contido pode levar. Ocorre um dos beijos mais “calientes” do cinema. A sofreguidão da paixão fora tão intensa que nenhuma exterioridade teria força de impedi-los. Nada nem ninguém teriam condições de se interpor de agora em diante entre eles. O casamento de Ennis fora desfeito, o de Jack começara sucumbido pela moral burguesa. A montanha houvera-lhes amaldiçoado. Não era permitido viver aquele amor fora dos limítrofes da montanha. Somente ela poderia acolhê-los e protege-los. Lá em cima, parafraseando Nana Caymmi, “Em Resposta ao Tempo”, o tempo não se roeria com inveja deles, não os vigiaria querendo aprender como se morre de amor para se tentar reviver.

Ao se pinçar essa problemática entre amado/amante, vale perceber o que Lévinas, em seu ensaio sobre a exterioridade, intitulada Totalidade e Infinito, assegura: Não terá o amor outro termo que não seja uma pessoa? A pessoa goza aqui de um privilégio — a intenção amorosa vai para Outrem, para o amigo, o filho, o irmão, a amada, os pais. Mas uma coisa, uma abstração, um livro, podem igualmente ser objetos de amor. É que, por um aspecto essencial, o amor que, transcendência, vai para Outrem, arremessa-nos para aquém da própria imanência: designa um movimento pelo qual o ser procura aquilo a que se ligou, antes mesmo de ter tomado a iniciativa da procura e, apesar da exterioridade, onde o encontra. A aventura por excelência é também uma predestinação, escolha do que não tinha escolhido. O amor como relação com Outrem pode reduzir-se a essa imanência fundamental, despojar-se de toda a transcendência, procurar apenas um ser conatural, uma alma irmã, apresentar-se como incesto. O mito de Aristófanes no Banquete de Platão, em que o amor reúne as duas metades de um ser único, interpreta a aventura como um regresso a si. A fruição justifica esta interpretação. Faz ressaltar a ambigüidade de um acontecimento que se situa no limite da imanência e da transcendência.

Por isso que, em cada reencontro a dor aumentava e a melancolia invadia cada poro de suas peles. Restava apenas a montanha. Tudo houvera se dissipado e esvaecido ao longo de todos aqueles anos. Nada mais restava a não ser esperar. Mas Jack Twist, com sua indômita paixão, explode os últimos cartuchos com Ennis Del Mar: tudo teria sido diferente se você tivesse aceitado deixar sua esposa, a gente tivesse comprado um rancho em outro lugar e tivéssemos vivido juntos todos os dias. Mas não, você preferiu viver nesse faz de conta, nessa vidinha sem graça e sem norte...

O ato fora consumado fazendo com que Ennis Del Mar perdesse o chão e, desnorteado, chorasse as últimas lágrimas da dor do amor mais forte que Brokeback. Ambos se reconciliam e se despedem. A morte anunciada de Jack Twist é marcada pelo olhar que não mais se perde no horizonte da presença de seu amor. Dorme em pé como um cavalo. Aí Ang Lee realiza uma das mais belas tomadas fotográficas de seu filme: Ennis abraçar o pescoço de Jack por trás, tentando acorda-lo. Dessa vez não era para possuí-lo como um cavalo, mas para envolvê-lo no abraço mais carinhoso que seus braços poderiam realizar.

A morte por espancamento de Jack Twist, além de trazer a tona o preconceito lancinante da relação entre duas pessoas do mesmo sexo numa sociedade marcada por uma moral cristão-burguesa, evidencia a dor de alguém que é condenado à solidão por não ter coragem de enfrentar essa mesma sociedade. Tudo deve ser preservado em nome de uma normalidade social e em nome da moral e dos bons costumes. Cabe lembrar que há uma raiz de racionalidade grega que legitima igualmente esse modo de agir, como bem afiança Camus “... os gregos impunham à vontade o próprio cerne da razão, que, por isso, se tornou mortífera”. Não há, portanto, lugar para a ética. Se houvesse, esse tipo de moral não teria tanta força e sedimentação. Seus tentáculos de moralidade são tão perversos e tão apodrecidos que somente o tempo poderá dissolvê-los. Mas, ainda bem que o tempo não dissolve a culpa, nem o remorso. Se assim o fosse, não precisaríamos de redenção, nem de reparações, nem de justiça, nem pedidos de desculpas, nem pagamentos de indenizações.
Del Mar, para entender definitivamente a separação de Twist, vai até a casa de sua família e, pode por aquiescência de sua mãe (Roberta Maxwell) visitar o quarto de seu amado, preservado como se esperasse sua visita. É aí que Ennis encontra quase que por acaso, sua camisa suja de sangue esquecida sem premeditação no topo da montanha. Com efeito, fora Jack que houvera escondido-a para ter algo de material de Ennis no cofre de sua intimidade. Sem uso de nenhuma linguagem falada, Ennis pede a mãe de Jack para levar consigo a dita camisa como recordação. Ang Lee, magistralmente, narra, com uma ímpar sutileza os últimos gestos daquele trio órfão de filho/amado/amante que somente as imagens do cinema podem revelar. Não houve lugar para nenhuma palavra.

O nosso herói trágico como todo herói, finda sua vida sozinho. O que lhes sobra são apenas duas camisas superpostas e um cartão postal da montanha Brokeback. As lembranças não existem mais, porque o vazio deixado por Jack não cede lugar a mais nada. A melancolia não é mais um sintoma nem um estado de espírito, ela é a porta da alma de Ennis que somente através dela Jack poderá entrar de novo. Jack, eu prometo...

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Capitalismo em xeque?

Mesmo antes de seu término, pode-se afirmar, desde já, que o ano de 2011 foi prodigioso em manifestações populares. Desde as revoltas contra ditaduras na Tunísia, no Iêmen e no Egito, passando pelas manifestações contra os pacotes de ajuste econômico na Grécia e na Espanha; das revoltas da juventude inglesa, às reivindicações de reformas na educação pública chilena e, mais recentemente, o Occupy Wall Street, com seu lema certeiro: “somos os 99%”. Despertar das massas ou levantes desconexos e esporádicos? Difícil afirmar com precisão. No entanto, há de se ressaltar que o pano de fundo de todas essas manifestações é a revolta contra situações em que o bem-estar coletivo é subsumido a interesses de minorias dominantes política e economicamente. É a hegemonia imperialista norte-americana e de alguns de seus principais braços (FMI, Wall Street etc.) que foi posta em xeque. Não é á toa, aliás, que esse movimento se dê justamente em meio a uma das mais graves crises do sistema financeiro internacional – coração do capitalismo contemporâneo – a partir de seus dois principais pilares, os EUA e a Europa (onde, aliás, o desejo do governo grego de convocar um referendo para a aprovação ou não da população quanto às medidas de ajuste, direito legítimo da soberania do país, é acusado de ameaçar a “estabilidade” da região, o que significa tão somente ameaçar os interesses do capitalismo europeu).

O desenrolar desses fenômenos em conjunto ainda parece incerto. Estaria o capitalismo, finalmente, agonizando, e estaríamos vivendo um período de transição, como crê Immanuel Wallerstein (leia aqui), por exemplo? Eu ainda não cravaria. Mesmo porque tenho minhas dúvidas de que apenas as contradições internas do sistema o conduzirão ao colapso, como defende Wallerstein. O capitalismo mostrou-se bastante flexível para absorver crises e superar algumas de suas contradições, e não me surpreenderia se esse fenômeno se repetisse mais uma vez. Mas, de qualquer forma, não dá para negar que 2011 foi um ano de muitos abalos em pontos de apoio importantes do sistema capitalista, sobretudo na hegemonia imperialista dos EUA. Tomara que seja, de fato, apenas o (re)início de movimentos mais agudos que possam alargar nosso horizonte político, tão estreitado durante a hegemonia do capitalismo neoliberal, e ajudar a minar definitivamente a podre estrutura social à qual estamos submetidos. Aguardemos o desenrolar dos fatos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

E agora, José?

Com um pouco de atraso, minha singela homenagem ao maior de todos os poetas brasileiros, pelos 113 anos de seu nascimento, celebrados no último dia 31 de outubro.





















José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A pior escolha

Emerson Leão é o novo técnico do São Paulo. Das opções elencadas desde a saída de Adilson Batista, para mim, Leão era a pior. Técnico ultrapassado em termos táticos e motivacionais, figura arrogante, acumulou ódio por onde passou e, na minha opinião, o SPFC só pôde ser campeão da Libertadores e do Mundial em 2005 porque ele (numa história muito mal contada, diga-se de passagem), resolveu abandonar o time e ir para o Japão antes da fase de mata-mata da competição sul-americana.

A escolha de Leão é mais uma demonstração da falta de rumo da diretoria são-paulina. Pode até funcionar para este final de ano. Em termos percentuais, o desempenho de Leão é o melhor dos técnicos são-paulinos da última década. No entanto, seu sucesso agora significa uma renovação de contrato para 2012, o que seria trágico. Afinal, trata-se de um treinador com notório “prazo de validade”, pois jamais consegue passar por um clube sem se indispor com alguns atletas, ou mesmo com todo o elenco. Logo, o sucesso de Leão agora (conseguir a classificação para a Libertadores) sugere um fracasso iminente no próximo ano (eliminação precoce daquela competição, dado seu prazo de validade, e provável sacrifício do resto do ano). Mas, o insucesso de Leão agora (não levar o time para a Libertadores) também sugere um fracasso no próximo ano (ficar mais um ano fora da principal competição interclubes da América, ter que iniciar outro trabalho, com outro técnico, em 2012). Como se vê, o SPFC está num beco sem saída. Mais um causado por sua diretoria e, sobretudo, seu presidente, que cada vez mais, mancha a história que construiu no período do tri-campeonato brasileiro.



terça-feira, 18 de outubro de 2011

SPFC: uma nau à deriva

Decidi esperar um pouco para escrever sobre a saída de Adilson Batista e o momento que vive o São Paulo. Em primeiro lugar, porque estou bastante ocupado nestes dias. Em segundo, e mais preocupante para nós torcedores, porque pouco há de novo a se dizer. E o que há, não é muito agradável.

De fato, vale constatar – o leitor pode ver no histórico do blog aqui ao lado – como alguns posts sobre o SPFC se repetem, mudando apenas os nomes do treinador da vez. Que o clube está à deriva há alguns anos, isso não é novidade para ninguém. E a culpa, todos sabem, é do senhor à direita da foto, que conseguiu afundar o bom trabalho que fez em seus primeiros anos de gestão à frente do clube em nome de vaidades pessoais e da perpetuação no poder. O antigo clube “diferenciado” está cada vez mais igual aos outros. Ou pior. O último lance desse movimento foi demitir Adilson Batista ainda nos vestiários de Goiânia, após a derrota para o Atlético/GO. Não que Adilson não merecesse ser demitido. Pelo contrário. Aliás, não deveria sequer ter sido contratado. Mas, a forma como foi dispensado, não me parece digna de um clube que se pretende “moderno”. Até porque, como ficou claro pelas recentes declarações do presidente, a demissão já estava traçada desde antes do jogo. Convocar uma entrevista na segunda-feira e anunciar sua saída, me parece, seria mais digno, inclusive com a pessoa Adilson Batista.

Dentro de campo, o SPFC padece de um mal que o assolou muito no final dos anos 90 e início dos 2000. O time é completamente apático. Ganhe ou perca de 3 X 0, a atitude dos jogadores em campo, salvo raríssimas exceções, é sempre a mesma. Pode-se dizer, sem medo, que é um time amarelão e pipoqueiro, para usar os termos consagrados no futebol. Com as peças que temos, daria para fazer um pouco mais. Pelo menos jogar com um pouco mais de vontade. Mas, a maioria dos jogadores não demonstra nenhum interesse nisso.

Mas, agora, resta ver o que o “jênio” que comanda o SPFC vai aprontar. Quem será o novo técnico, e quais serão os próximos passos do time no Brasileirão e na Sul-americana. Em minha opinião, o melhor seria deixar o Milton Cruz até o final do ano e esperar a movimentação do mercado após o término do Brasileirão. Mas, de qualquer forma, o fato é que um futuro cada vez mais obscuro se avizinha pelos lados do Morumbi.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Libertadores deve ser o foco. Título só por milagre

Após o empate desta noite contra o Cruzeiro, embora jogando bem (inclusive Adilson, justiça seja feita, foi bem hoje), com exceção à zaga, que esteve irreconhecível, o São Paulo praticamente dá adeus ás chances de título. Na verdade, em minha opinião, deu adeus no último domingo, contra o Flamengo, no Morumbi lotado pela volta de Luis Fabiano; um jogo em que não podia jamais pensar em perder. Ali, faltou atitude, espírito de campeão. O mesmo que havia faltado, por exemplo, no clássico contra o Corinthians, quando o tricolor teve tudo para afundar o rival e não foi competente o suficiente para fazê-lo. Agora, pode perder o título justamente para ele.

Enfim, agora resta aguardar o desfecho da rodada no final de semana e começar a fazer contas. Para mim, o mais plausível será se concentrar na conquista de uma das vagas para a Libertadores do próximo ano, antes que fiquemos também sem ela. O título, se vier, será um milagre.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ira! - Envelheço na cidade

Em homenagem ao aniversário do meu amor, um clássico do rock brasileiro. Feliz aniversário, Angel!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pelo direito à verdade!

Ponto para a democracia brasileira: a Câmara dos Deputados aprovou ontem, 21/09, a criação de uma Comissão da Verdade, que será responsável por investigar as violações aos direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988, inclusive as mortes e torturas praticadas pelo Estado na ditadura militar. A comissão funcionará por dois anos. Seus sete membros serão uma escolha direta da presidenta Dilma. Ao final, o grupo vai elaborar um relatório em que detalhará as circunstâncias das violações investigadas. A expectativa é que, ao poder acessar documentos em qualquer nível de confidencialidade, ela possa indicar as pessoas e órgãos estatais responsáveis pelas mortes, desaparecimentos e torturas, ainda que ela não tenha capacidade de julgá-las.

Não é a comissão ideal. São poucos membros, o prazo me parece curto e a verba, escassa. Apesar disso, é preciso celebrar. Pela primeira vez, poderemos ter acesso ilimitado a tudo o que aconteceu nesse período turbulento, sobretudo durante os anos de ditadura militar. Falta agora que o Senado também a aprove, o que deve ocorrer em breve, apesar de forte oposição de alguns setores. Enfim, o direito à verdade pouco a pouco é restituído em nosso país. Já não era sem tempo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma mente brilhante (A beautiful mind)

Eis um raro exemplo de filme que supera o livro que lhe deu origem. Uma mente brilhante (no original: A beautiful mind), dirigido por Ron Howard, relata a vida do matemático John Nash, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1994 por conta de sua "teoria dos jogos", mas que, ao longo da vida sofreu com a esquizofrenia. Embora tenha alterado vários fatos relativos à vida e à doença de Nash por razões comerciais ou para maior efeito dramático, o que o desqualifica como uma fonte segura à biografia de Nash (o que, naturalmente, não acontece com o livro), o fato é que, ao casar a interessantíssima história do sofrimento de um gênio, com uma grande atuação de Russell Crowe, Uma mente brilhante torna-se um daqueles filmes que valem a pena ser vistos.


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Obrigado, Rogério!


“Minha seleção tem três cores” (Rogério Ceni)

Alguns números do M1TO:

Maior goleiro-artilheiro da história, com 103 gols até hoje.
Jogador que mais disputou jogos do Campeonato Brasileiro.
Mais de 700 jogos como capitão do São Paulo.
Duas vezes eleito o melhor jogador do Campeonato Brasileiro: 2006 e 2007.
Bola de Ouro (Placar) como melhor jogador do Campeonato Brasileiro: 2008.
Seis vezes Bola de Prata (Placar) como melhor goleiro do Campeonato Brasileiro: 2000, 2003, 2004, 2006, 2007 e 2008.
Bola de Ouro do Mundial de Clubes da FIFA: 2005

Campeão Paulista: 1998, 2000, 2002 e 2005.
Campeão da Taça Conmebol: 1994.
Tricampeão Brasileiro: 2006, 2007 e 2008.
Bicampeão da Taça Libertadores da América: 1993 e 2005.
Bicampeão do Mundial de Clubes: 1993 e 2005.

Campeão da Copa das Confederações pela Seleção Brasileira: 1997.
Campeão da Copa do Mundo da FIFA: 2002.

1000 jogos pelo São Paulo Futebol Clube!

Por essas e outras, não há nada a dizer, apenas a agradecer. Obrigado, capitão!
E como diz o lema da torcida são-paulina:

"Todos têm goleiro. Só nós temos Rogério Ceni". 


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A reforma política avança


No último dia 17/08, o deputado Henrique Fontana (PT-RS), apresentou o seu parecer final sobre as propostas de reforma política. Trata-se de um passo decisivo para o fortalecimento da democracia brasileira, de sua representatividade e extensão. Entre as principais mudanças indicadas no relatório, estão o financiamento público exclusivo de campanha, o voto proporcional misto, o fim das coligações em eleições proporcionais e a possibilidade de criação das federações partidárias.

Em primeiro lugar, é preciso indicar que adoção do financiamento público exclusivo possibilitará uma forte redução dos custos de campanha. Como diz Fontana: “Não me parece razoável um sistema que a cada quatro anos, os futuros tomadores de decisão, os futuros eleitos tenham que bater a porta de todos os financiadores pedindo recursos para campanha, gerando uma situação realmente que não é a mais adequada para a democracia. Evidente que a corrupção tem múltiplas causas, mas eu não tenho dúvidas de dizer que o financiamento público exclusivo é uma arma muito eficaz e muito poderosa para ajudar no combate a corrupção, além de qualificar os mandados e dar mais independência para os futuros eleitos”. De fato, esta é uma das medidas mais importantes para a redução dos níveis de corrupção no Brasil, uma vez que grande parte dos problemas que se percebe hoje na gestão pública e nos processos eleitorais é oriunda do modelo de financiamento privado, que facilita a ação do poder econômico, bloqueia a participação de candidatos com menos recursos e cria injustiças num processo de competição que deveria ser pautado por regras equânimes. Além disso, aumenta o custo das eleições para a população em geral, uma vez que, não raro, votações no Legislativo, pautada pelos interesses dos financiadores privados, vão na contramão dos interesses da maioria.

Outro ponto importante é a adoção do voto proporcional misto. Não é meu modelo preferido (defendo o voto em listas partidárias, o que significa um voto mais ideológico, centrado nos programas políticos de cada partido, e não em pessoas/celebridades), mas, no contexto atual, representa o limite que se pôde atingir e, de fato, pode ser considerado um avanço. Para Fontana, “trata-se de um sistema que garante ao eleitor um voto duplo, fortalecido, primeiro escolhendo o partido de sua preferência, votando na lista, e a seguir votando no candidato preferido”. Nessa proposta, a lista de cada partido deverá ser constituída com o voto secreto dos filiados, mecanismo que irá fortalecer as estruturas partidárias. Por este sistema, se um partido eleger dez deputados, por exemplo, metade serão os cinco primeiros da lista e os outros cinco serão os que receberem mais votos na votação nominal. Fontana também sugere o aumento da participação das mulheres no Parlamento. Seu relatório determina que na lista preordenada será garantida a indicação de a cada três candidatos um ser de sexo diferente, ou seja, dois homens e uma mulher ou duas mulheres e um homem.

O relator do projeto, deputado Henrique Fontana (PT/RS)
Para terminar com as coligações nas disputas para cargos proporcionais, cujo interesse não é prograático, mas apenas eleitoral, Henrique Fontana propõe a criação de federações partidárias com duração de no mínimo três anos. Esta medida, segundo o relator, garante a manutenção e a possibilidade de crescimento dos partidos menores com perfil programático definido. No relatório, o parlamentar também apoia a ampliação da participação direta da população na política brasileira permitindo a apresentação de projetos de lei e emendas constitucionais de iniciativa popular através da internet, com menos exigências e menor burocracia.

O texto também acaba com o suplente de senador. Segundo o anteprojeto, passará a ocupar o mandato vago de senador o candidato a deputado federal mais votado nas últimas eleições para a Câmara, pelo mesmo partido do titular, ainda que não eleito.

Agora, os deputados que integram a Comissão Especial da Reforma Política terão até o dia 13 de setembro para apresentar emendas ao anteprojeto apresentado no dia 17/08. O parecer final do relator – com a incorporação ou recusa das emendas – deve ser apreciado e votado no dia 21 de setembro.

Numa semana em que a Câmara dos Deputados feriu qualquer preceito básico da ética pública, e se deslegitimou perante à sociedade ao absolver uma deputada (Jaqueline Roriz - PMN/DF) de comprovada culpa apenas porque "seus atos de corrupção forma praticados antes de seu mandato", qualquer manifestação otimista acerca dos rumos da política brasileira parece descabida. No entanto, é preciso separar as coisas, e entender que uma reforma do sistema político-eleitoral brasileiro é o primeiro passo para que episódios dessa natureza sejam definitivamente superados. Por isso, há que se dizer que, em seu conjunto, o relatório é bastante positivo, corrige distorções  graves, e representa um verdadeiro progresso em nossa democracia,  embora menor do que o necessário. Mas, como eu disse acima, parece o melhor possível na atual conjuntura, numa Câmara marcada pelo fisiologismo e pelo corporativismo mais rasteiro. Se aprovada para 2014, essa reforma criará novas perspectivas políticas para o país, e uma nova dinâmica na relação posterior entre eleitor e eleito, bem como entre Executivo e Legislativo, além de possibilitar maior controle público nos gastos eleitorais. Além disso, abrirá maiores brechas para uma participação mais efetiva da população nos processos decisórios do país, o que é essencial para uma democracia cada vez mais plena. No entanto, a aprovação dessa reforma deverá enfrentar fortíssima oposição de setores conservadores, sobretudo em seus dois pontos centrais: o financiamento público exclusivo de campanha e a mudança no modelo de eleição em cargos proporcionais. Por isso, a pressão da sociedade civil, movimentos sociais, entidades de classe e partidos comprometidos com uma democracia substancial e transparente será de suma importância para que ela se concretize*.

*Com informações do site www.ptnacamara.org.br

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sobre a Líbia

Intervenção, ajuda, governo de transição, podem chamar do que for. Para mim, a presença das tropas da OTAN em território Líbio significa apenas uma coisa: guerra. Em março, quando as ameaças de invasão começaram, escrevi esse post: (link aqui). De lá para cá, nada mudou. O tirano Kadafi deve cair mais cedo ou mais tarde, não pela revolta legítima dos opositores a seu regime, mas pela força militar imperialista da OTAN. Esta, por sua vez, liderada pelos EUA (e sua sede inesgotável de petróleo alheio), pilhará a Líbia, fazendo dela um novo Iraque, ou seja, um país com zero de democracia, respeito aos direitos humanos, desenvolvimento social ou paz. Por que, ao invés de se preocupar com a Líbia, os EUA e seus aliados não investem seus recursos num país devastado pela fome e pela miséria como a Somália, por exemplo? A pergunta é retórica. Todos sabemos a resposta. Renato Russo, na infelizmente sempre atual Canção do senhor da guerra, dizia: “pra que exportar comida / se as armas dão mais lucros na exportação”?

Aliás, por falar em música, o Guns N’ Roses tem uma que diz o seguinte: “I don’t need your civil war / It feeds the rich while it buries the poor”. Essa música, Civil war, e esse refrão em particular, resumem o mote de toda guerra imperialista: alimentar os ricos às custas do povo. Não é preciso dizer mais nada. Afinal, dessa vez, não será diferente. Por trás dos belos discursos, as mesmas velhas intenções, o mesmo ataque ao direito à autodeterminação dos povos, o mesmo fim. Só resta saber, agora, quem poderá defender o povo líbio de seus novos “salvadores”...

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Tom Jobim & Miúcha - Pela luz dos olhos teus

Nesse dia 17 de agosto, Angelica e eu completamos 4 anos juntos! Para comemorar esse momento maravilhoso, que se combina com nosso noivado, compartilho com todos essa belíssima canção, com versos do poeta Vinícius de Moraes e música do maestro Tom Jobim. Especialmente dedicada, claro, para a luz dos olhos meus!



domingo, 7 de agosto de 2011

Soneto para Angelica

Para celebrar nosso noivado, um singelo poema que escrevi para meu amor, Angelica.
















Soneto para Angelica

Quando eu percorria ruas desertas
Em dias gris, ou em noites sombrias
Adentrava portas entreabertas
Mas, nada encontrando, tudo perdia

Então meu coração erguia montes
Contra os ares frescos da primavera
E maldizia que tamanho afronte
A vida, sem porquê, o impusera

Mas, um dia, uma lágrima inocente
Decretando para sempre a minha sorte
Abrigou o infinito no meu peito

E, desde então, tuas mãos pacientes
Construíram um amor que de tão forte
Das imperfeições se faz perfeito.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Crise lá, esperança aqui

Cenários diametralmente opostos caracterizam a situação atual na América do Sul, na Europa e nos Estados Unidos.

O Velho Continente vê-se ainda chocado com o massacre provocado pelo terrorista norueguês de extrema-direita Anders Behring Breivik. Longe de ser uma situação isolada, simples fruto de uma mente doentia, os ataques na verdade expressam, da maneira mais dramática possível, a onda conservadora, xenófoba e racista que assola a região, resultado, sobretudo, do fracasso das políticas de caráter neoliberal adotadas em larga escala na Zona do Euro, responsáveis pelo desemprego em massa, pela ampliação dos níveis de desigualdade e pela extinção de direitos sociais conquistados ao longo de décadas de luta.

O quadro é preocupante: na Itália, por exemplo, um senador da Liga do Norte, partido da extrema-direita italiana que compõe o governo Berlusconi, afirmou que, “fora a violência”, Breivik tem alguns ideias “boas” e outras “ótimas”. Conquanto tenha sido o único, até aqui, a externar sua opinião publicamente, não se trata, certamente, uma voz dissonante. Na França, cujas eleições presidenciais estão agendadas para 2012, recentes pesquisas de opinião apontaram que, pela primeira vez, a maioria dos franceses aceitaria de bom grado a vitória de um candidato ultra-nacionalista. Na Espanha, a direita volta a se fortalecer, depois do fracasso do plano de ajustes do governo “socialista” de Zapatero (embora, lá, a juventude se mobilize fortemente em direção contrária, e tensione o cenário político local). Na Alemanha, a conservadora Angela Merkel tornou-se a principal líder da União Europeia. É ela quem coordena as operações de “ajuda” aos países endividados, como Irlanda e Grécia, sempre exigindo como contrapartida a aplicação de rigorosos programas de ajustes fiscais (isto é, mais corte nos gastos públicos). Mesmo um país com altíssima qualidade de vida, como a Finlândia, não saiu ilesa da crise. Resultado? Votação recorde da extrema-direita nas eleições de abril deste ano. Os exemplos, infelizmente, poderiam se estender a quase todo o continente.

Nos EUA, a situação não é muito diferente. A economia norte-americana, fundamentada no militarismo, também se encontra à beira de um colapso. Pela primeira vez na história, o país correu o risco real de decretar calote em sua dívida, já acima da casa de inacreditáveis US$ 14 trilhões, graças, principalmente, à política belicista de George Bush, que Obama infelizmente não reverteu. Por isso, o presidente democrata encontra-se à mercê dos Republicanos, atualmente liderados pelos ultra-conservadores membros do movimento Tea Party que, como defensores radicais do capitalismo neoliberal, propuseram um acordo para salvar os EUA da falência centrado num já conhecido receituário de defesa do estado mínimo: obriga o governo Obama a eliminar praticamente todos os gastos sociais e ajudar financeiramente (com corte de impostos) os ricos! Para se ter uma ideia: as despesas do governo americano estão limitadas ao mesmo patamar daquelas praticadas pelo governo Eisenhower, nos anos 50. Seria como se, no Brasil, a Dilma fosse obrigada a investir o mesmo montante de dinheiro que Juscelino Kubitschek!

As equações não são casuais: adoção de políticas neoliberais ortodoxas, destruição das bases sociais do velho estado de Bem-Estar, igual à crise europeia. Políticas neoliberais ortodoxas, gastos recordes com um militarismo desenfreado, igual à crise norte-americana. Somadas essas equações, o saldo é alarmante (mas não inédito): crescimento nítido da direita e da extrema-direita nos dois maiores polos de sustentação do capitalismo global.

Na América do Sul, porém, o contraste é evidente. A vitória de Dilma Rousseff, em 2010, somada à de Ollanta Humala, no Peru, neste ano, são sinais de que uma nova década progressista, de consolidação de políticas pós-neoliberais, se abre no continente. Como característica em comum, esses governos – cada qual ao seu modo, com seus limites, enfrentando os obstáculos e as contradições particulares a cada país – têm constituído um processo de radicalização democrática, imprimindo às suas democracias um acentuado caráter social. Nesse sentido, são extremamente saudáveis as notícias de consolidação da Unasul (União das nações sul-americanas), como mais um mecanismo de integração, cooperação e fortalecimento econômico continental, sobretudo diante das investidas do capital especulativo mundial e desse momento de aguda crise externa, e que vem se somar às experiências do Mercosul e da Alba, que também avançam e criam uma dinâmica política e uma perspectiva sócio-econômica diferente para nosso continente. No caso brasileiro específico, temos – apesar de tudo o que é propagado – um bom panorama. Além da política externa, concentro-me em outros dois temas, que considero fundamentais.

A meu ver, o governo Dilma deve ser analisado, prioritariamente, a partir de seu eixo de ação principal: o combate à miséria. E, nesse campo, temos boas notícias. Medidas importantes, como a implementação dos programas “Brasil sem miséria” e “Água para todos”, somam-se positivamente à continuidade das políticas sociais macro-econômicas (crescimento sustentado com fortalecimento do mercado interno, valorização do salário mínimo e distribuição de renda) e de investimentos em infra-estrutura oriundas do governo Lula. Aqui, ainda, temos outra notícia que me parece importante: em agosto, um seminário, organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, discutirá, na presença da presidenta, a reconfiguração da estrutura de classes no Brasil, com especial atenção às camadas emergentes da “nova classe média” que se consolidaram graças às políticas sociais do governo petista. A ideia básica do seminário, e que demonstra a importância conferida ao combate à miséria e à desigualdade social no governo Dilma, é, nas palavras do ministro Moreira Franco, “entender o protagonismo da nova classe média no quadro social brasileiro, (...) conhecê-la, saber quais são seus sonhos e aspirações, para pensar em políticas que possam impedir que esse ativo do país retorne à situação anterior”.

Outro aspecto importante é a mobilização, dentro e fora do governo, em torno da educação, concentrada nas discussões sobre o novo PNE. Neste tema, a bandeira de 10% do PIB para a educação, factíveis a partir da utilização dos recursos do Pré-sal, combinados ao PL 8039, que cria a Lei de Responsabilidade Educacional, podem fazer o Brasil marchar decisivamente na resolução de seus históricos problemas nessa área. Um primeiro passo foi dado neste ano, com a declaração de constitucionalidade, por parte do STF, do Piso Nacional do Magistério, fundamental para a valorização da carreira docente, historicamente menosprezada no país.

Além disso, o combate à corrupção, bandeira da qual a direita brasileira tentou se apropriar, dá passos importantes no governo Dilma, como se viu, recentemente, por exemplo, com a exoneração de todos os suspeitos de desvios de recursos no Ministério dos Transportes, independentemente de sigla partidária.


Naturalmente, nem tudo são flores. Além do natural descontentamento de alguns setores, cujas reivindicações específicas não foram atendidas até aqui, o fato é que, em termos gerais, há problemas importantes em alguns domínios estratégicos que precisam ser enfrentados o quanto antes. A cultura, por exemplo, uma das áreas mais bem avaliadas na gestão anterior, sofreu, inexplicavelmente, uma descontinuidade regressiva nas mãos da ministra Ana de Hollanda. O debate sobre a democratização dos meios de comunicação não progride. Já as discussões – e as propostas apresentadas até aqui –, inclusive no Congresso, acerca das reformas tributária e política, também se mostram, no mínimo, insuficientes, o que é extremamente preocupante, uma vez que ambas são indispensáveis para o fortalecimento e a continuidade de nosso processo de radicalização democrática. Nesses pontos, me parece, é necessária uma mobilização intensa de todos os setores da sociedade civil (movimentos sociais, partidos, entidades de classe etc.) comprometidos com o projeto em curso no país.

No entanto, mesmo com esses percalços, e ainda que as mudanças estruturais se dêem em ritmo mais lento do que gostaríamos e sonhamos, o Brasil avança, no compasso progressista da América do Sul. Enquanto o centro hegemônico do capitalismo vacila de uma crise a outra, a “periferia” sul-americana, mesmo com todas as dificuldades, lança ao mundo sinais de esperança.

domingo, 24 de julho de 2011

Há filosofia no Brasil?

Essa velha pergunta, já esmiuçada nos anos 60 por Bento Prado Júnior (ver referências abaixo), tem obviamente um quê de retórico. É claro que, no Brasil, como em qualquer outra parte, se faz filosofia – e, mais do que isso, uma filosofia rica e plural. Contudo, ela também tem um tom provocativo, que decorre de um certo desconforto meu, mas que, possivelmente, é compartilhado por outras pessoas que estão nesse meio: se é feita filosofia no Brasil, onde estariam os filósofos brasileiros?

Em primeiro lugar, é preciso demarcar que o que se entende, aqui, pelo adjetivo “brasileiro”, não diz respeito à ideia de se pensar uma “filosofia nacional”, expressão do espírito de um povo ou de uma nação (numa palavra, uma ideologia), ideia que Bento tão bem critica no texto supracitado – o que não impede, claro, certa confluência entre autores de um mesmo país, em relação ao estilo ou à escolha de determinados temas e problemas filosóficos em detrimento de outros (o que, segundo o trabalho de Luiz Alberto Cerqueira, também ocorreria no Brasil). Mas, dispondo a filosofia de uma tendência irresistível à universalidade (embora, naturalmente, a boa compreensão do pensamento de um autor passe também pela compreensão das condições particulares em que seu pensamento se desenvolveu), a ideia de uma espécie de programa filosófico nacional (advogada por alguns) torna-se altamente controvertida – e, nesse momento, dispensável. Sendo assim, “filósofo brasileiro”, aqui, tem apenas o seguinte sentido: há pensadores, em solo local, que contribuíram (ou contribuem) original e criativamente, não apenas para o estudo da história da filosofia (o que, por si só, já não é pouco), mas também para o desenvolvimento e florescimento de novas ideias, novas categorias ou conceitos, ou mesmo novas “escolas”, tal como ocorre frequentemente nos países que poderíamos chamar de “centrais”?

É curioso notar que essa pergunta não caberia a outras áreas do Saber. Ninguém se pergunta se há uma sociologia brasileira, uma economia etc. Talvez (e essa é só uma das perspectivas pelas quais poderíamos abordar semelhante questão) porque todo estudante de sociologia tenha, desde cedo, contato com o pensamento de Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Sérgio Buarque de Hollanda ou Fernando Henrique Cardoso. Ou porque todo futuro economista deva conhecer a obra de Celso Furtado ou de Caio Prado Junior. No entanto, por mais que incomode lembrar, o mesmo não se aplica à filosofia. Aqui, resta sempre a dúvida. Temos, de fato, filósofos autônomos no Brasil? Ou o que temos são “apenas” grandes historiadores e professores de filosofia?

Essas questões, não têm, absolutamente, caráter depreciativo. Parece-me muito claro que fazer a história da filosofia já é filosofar, e que não há filósofo que não seja ao mesmo tempo um historiador da filosofia. No entanto, creio, igualmente, que fazer apenas história da filosofia não esgota todas as possibilidades de desenvolvimento desse campo. No entanto, é flagrante o privilégio que quase sempre se conferiu ao trabalho erudito, em prejuízo do trabalho autônomo, no cenário filosófico brasileiro. E esse privilégio me incomoda profundamente. Por que exploramos apenas uma das facetas da práxis filosófica?

Não obstante o que disse acima, é curioso notar que, conquanto não tenham formado nenhuma “escola” ou “tradição” filosófica autônoma, há, sim, filósofos brasileiros. Acontece que, em geral, não os vemos. Por exemplo, poderia se indagar: qual estudante de filosofia, independente do juízo que possamos fazer acerca de suas obras, tem a oportunidade de conhecer, ao longo de sua formação, pensadores como Gonçalves de Magalhães, Tobias Barreto ou Farias Brito? Mesmo autores contemporâneos, como o já citado Bento Prado Júnior ou Marilena Chauí, dentre outros, que têm contribuições inéditas e importantes (ainda que não desenvolvidas de forma sistemática), são lidos pela academia muito mais pelos excelentes comentários e interpretações a textos clássicos (quando não são reconhecidos apenas pelos trabalhos de tradução), do que estudados, nas filigranas de seus pensamentos, com o intuito de se descobrir aí elementos que apontassem para os aspectos autônomos de sua própria reflexão filosófica – como se faz, por exemplo, quando se examina um texto de Descartes, Kant, ou Sartre. Qual a razão desse ofuscamento?

Bento Prado Júnior
Julio Cabrera, num artigo que despertou minha atenção para o tema (embora eu não sobrescreva integralmente), aponta duas vertentes que explicariam essa ausência de pensadores brasileiros de referência nos currículos e nos debates de filosofia. Ambas advogam a impossibilidade de que haja realmente um pensamento filosófico brasileiro original. A primeira, ele denomina de vertente universalista ou internacionalista. Segundo Cabrera, os defensores dessa tese “pensam que deve criar-se uma comunidade de estudiosos de textos, de bons comentadores e conhecedores de filosofia clássica e moderna, capazes de gerar papers e livros que possam concorrer dignamente no plano internacional. Essa deve, segundo eles, ser considerada como a contribuição brasileira à filosofia. Alguns deles não vêem qualquer sentido na questão de se tal tipo de prática filosófica acaba gerando ou não um pensar ‘genuinamente brasileiro’, enquanto outros apostam numa continuidade às vezes difícil de compreender, entre essas atividades eruditas e o nascer de um pensamento original brasileiro. A ideologia universalista parece-me hoje predominante entre os professores”. Essa tese compartilha, a meu ver, dos resquícios de um pensamento subalterno, fortemente marcado por nossa herança colonial (aquilo que o dramaturgo Nelson Rodrigues denominou “complexo de vira-lata”) e que o Brasil ainda tenta superar (em algumas áreas com mais sucesso do que em outras). É a divisão internacional do trabalho aplicada à filosofia. Infelizmente, como observa o autor, ela parece predominar nos meios acadêmicos – o que é bastante preocupante.

Marilena Chauí
A segunda tese, Cabrera classifica de independentista. Seus partidários “acham que devem criar-se condições sociais, culturais e mesmo institucionais que favoreçam um pensamento original e criador, devendo-se lutar contra o colonialismo ainda presente nas mentes dos pensadores brasileiros, que os leva a copiar moldes externos em lugar de pensar por si mesmos”. Aqui, o trabalho dos filósofos atuais seria criar um panorama propício à reflexão filosófica e ao surgimento de filósofos brasileiros originais no futuro.

Para Cabrera, apesar de suas flagrantes diferenças, tratam-se, em ambos os casos, de conceber a práxis filosófica criadora dentro de um contexto sócio-cultural que permitiria seu desenvolvimento “como se a partir de condições sociais determinadas fosse surgir um autêntico filósofo”. Esquece-se, segundo o professor da UnB, “o motivo profundamente singular do ato de filosofar”, o “impulso singular de expor o mundo de uma maneira inevitavelmente pessoal, mas que, de um modo o outro, apela para o humano, para o que afeta a todos”. Assim, ambas as teses tornam-se insustentáveis. A primeira, pelo absurdo de acreditar que a função de um filósofo no Brasil (ou em qualquer outro país “periférico”) reduz-se a refletir sobre o pensamento fornecido pela “metrópole”. A segunda, tanto porque advoga uma espécie de determinismo inócuo, quanto porque entende não existirem “ainda” condições de um pensamento criador e original em terras brasilis – e que, se corroborada, acabaria postergando a possibilidade de uma produção filosófica independente, como no primeiro caso, para um futuro longínquo e indeterminado.

Ainda assim, como apontado anteriormente, há filósofos originais no Brasil. Então, porque não os identificamos, não os estudamos? A resposta de Cabrera para essa nossa cegueira é precisa: “O que não existe são os mecanismos, institucionais e valorativos, para poder visualizá-los”. Assim, prossegue: “A ‘não existência’ de filosofia no Brasil (e em muitos outros países) é um efeito produzido pela particular distribuição da informação hoje dominante no mundo, pela particular estrutura das instituições de ensino e de pesquisa, e por ideias unilaterais do que seja ter ou não valor como filosofia. Alterando estas condições, começaremos a ‘ver’ os nossos filósofos, ou seja, quando deixarmos de buscá-los nos lugares errados e com as imagens e expectativas erradas”. Nesse sentido, conclui o autor, “as condições institucionais [no Brasil], longe de favorecerem o surgimento de filósofos, na verdade podem estar afogando-os e eliminando-os antes mesmo deles nascerem”.

Em suma, as condições são claramente importantes, mas não determinam, como passe de mágica, o surgimento de indivíduos dispostos a exercer o pensamento crítico de maneira independente. Contudo, podem concorrer fortemente no sentido de impedir o seu florescimento. É, me parece, o que se passa hoje, no âmbito filosófico brasileiro. Primeiro, porque tendemos a não valorizar o pensamento que não se enquadre ao establishment. Em segundo lugar, porque não temos o hábito de dialogar filosoficamente com nossos pares. Ademais, no “trash império dos papers”, como definia Bento Prado, um paper no currículo (e o status que um currículo repleto de publicações, mesmo que protocolares, oferece) vale mais do que o risco de se propor uma ideia, uma categoria, um conceito original – e se dispor a debatê-los. E, verdade seja dita (e eu me incluo nela), os novos alunos de filosofia acabam, mais cedo ou mais tarde, sendo forçados (sob pena de não poderem continuar militando no meio da filosofia) a entrar de alguma forma nesse jogo – e são poucos os que conseguem sair dele e se manter. Contudo, parece-me contraditório com o próprio espírito da filosofia restringir a produção filosófica de valor ao que se faz em meia dúzia de nações "iluminadas", que deteriam o monopólio da criação filosófica, cabendo ao resto do mundo o papel de mero apêndice. Com efeito, não há porque não acreditar (e trabalhar para) que possam surgir trabalhos inovadores em países como o Brasil, igualmente capazes de criar, paulatinamente, uma tradição de pensamento filosófico autônomo. Mas, para isso, seria importante, dentre outras coisas, que, junto ao estudo dos clássicos, também abríssemos espaços, nos currículos de filosofia, para o exame da história e do pensamento de autores brasileiros (ainda que, como foi indicado, essa história e esse pensamento tenham se construído de forma pouco ou nada coesa, sem criar nenhum tipo de “unidade”, “tradição” ou “memória filosófica brasileira”, como se observa em países como França, Alemanha etc.).

Com efeito, acredito que a “descoberta” do que já se produziu por aqui, combinada à valorização de nossa produção intelectual e ao necessário estímulo à reflexão criadora e ao debate que faz girar a roda da filosofia, fomentaria a ousadia dos atuais e futuros estudantes, no sentido de agregar ao nosso imprescindível trabalho de historiadores da filosofia, o desafio (e os riscos que ele envolve) de também tentarmos pensar por conta própria – como muitos já fizeram e fazem (ou tentam), mas sem o reconhecimento ou o suporte devido. Assim, estaríamos certamente contribuindo para a progressiva constituição de uma verdadeira tradição de pensamento, não mais pautada exclusivamente pelas orientações trazidas do exterior, mas igualmente capaz de responder à altura os desafios com os quais o pensamento crítico se depara a cada período. E, afinal, quem ganharia com isso, seria a filosofia como um todo.

Referências bibliográficas:

CABRERA, Julio. O que significa dizer: "Não existem filósofos no Brasil"? Disponível em: http://vsites.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fibra.htm

CERQUEIRA, Luiz Alberto. Filosofia brasileira: ontogênese da consciência de si. Petropolis: Vozes, 2002.

PRADO JR, Bento. “O problema da filosofia no Brasil”. In: Alguns ensaios – filosofia, literatura, psicanálise. 2ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2000.