sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre o tempo

Ah, o tempo. Sempre achei muito curiosa a dissonância entre nossa percepção, nossa vivência do tempo, de nosso tempo, e o tempo objetivo, aquele dos relógios, aquele ao qual estamos completamente submetidos no cotidiano. Na filosofia, há muitas explicações para o fenômeno do tempo, e para esse desacordo entre a forma que a física calcula o tempo e a forma em que o experimentamos. A física fala de um tempo homogêneo, dividido em partes sempre iguais (horas, minutos, segundos, etc.). Mas, sabidamente, a forma como apreendemos o tempo não é homogênea. Dando um exemplo banal: duas horas no cinema, assistindo a um bom filme, não são vividas por nós da mesma forma que duas horas de trabalho. Por quê?

Não, não tenho a pretensão de responder essa pergunta. Posso apenas indicar algumas pistas, que a filosofia nos traz. O tempo é um escoamento. Ele flui continuamente, produzindo dentro de si mesmo diferenças. Quer dizer, ele é um movimento incessante de contratação e dilatação de si mesmo; é um juntar-se a si mesmo (a lembrança), um expandir-se a si mesmo e consigo mesmo (a esperança). Esse movimento, sou eu mesmo enquanto ser temporalizante. Não se trata, assim, de pensar o tempo como uma linha de “agoras” sucessivos, de antes e depois. Trata-se, sobretudo, de pensar o tempo como o movimento dos seres para reunirem-se consigo mesmos. O presente não é um instante. Ele é o centro que se abre para o passado, como aquilo-que-não-é-mais e para o futuro, como aquilo-que-ainda-não-é. Somos seres temporais (não estou no tempo, mas sou temporal), nossa existência presente é fuga do nosso passado em direção ao nosso futuro. Para a filosofia, não se trata, portanto, de um tempo homogêneo, mas de apreender a própria dinâmica de temporalização. Por isso, o tempo da existência, nossa duração, não é o tempo dos relógios. Em outras palavras, duas horas do cinema são diferentes das duas horas no serviço. É que, se objetivamente, há a mesma medida de tempo (medida que é sempre convencional), subjetivamente, digamos, nossa apreensão é qualitativamente diferente.

Bem, não quero me estender muito. Talvez, tenha feito essa pequena introdução ao tempo porque o tenho sentido passar depressa demais. Quem sabe, falando do tempo, eu queira, no fundo, é fazê-lo parar um pouco (nada melhor que num fim de tarde de sexta, né? rsrs). Em geral, dizem que essa sensação de ver o tempo escoando por entre os dedos, é fruto de nossas inúmeras ocupações diárias, que nos ocupam boa parte do tal do tempo. Talvez. Pode ser uma reação também às mudanças que vivemos. O poeta romano Ovídio, em suas Metamorfoses, dizia: “Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. (...). O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova”. Acho que, ultimamente (pelo menos para mim) as coisas têm fluído rápido demais. Ainda não me acostumei, por exemplo, com o fato de dizer que sou “mestre” em Filosofia, que estou fazendo doutorado. Essa semana, precisei dizer isso para uma pessoa, e me soou tão estranho! Mas, não era ontem que eu queria ser guitarrista de rock? Ou que assistia os super-heróis japoneses, sonhando ter seus super-poderes? É, de fato, o tempo passa. E, insisto, não há relógio capaz de medir o nosso tempo.

Enfim, depois dessa reflexão meio conturbada, é preciso dizer que há muito que falar sobre o tempo: a relação dele com a existência, com a memória, com a esperança, com a morte. E, provavelmente, voltarei mais vezes ao tema. Nos próximos dias, tratarei dele, em um post sobre algumas observações filosóficas a respeito da morte. Por enquanto, deixo vocês com um poema de minha autoria, que, em alguma medida, fala sobre isso. E, no post abaixo, uma música que também trata dessa questão. Bom fim de semana a todos!

***



Há tempos *
 (por Vinícius dos Santos)

Há tempos me indago sobre o tempo,
há tanto tempo que tento que nem me lembro mais

Há tempos tive um mau pressentimento:
o tempo passou como vento e me deixou para trás

Ah, se em algum tempo houvesse um momento
em que o correr do tempo não fosse capaz

Mas, movimento, o tempo não vê meu tormento,
não perde seu tempo nem me deixa em paz.
 
* Poema originalmente publicado em: Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos - 53. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2009.

The Beatles - Yesterday

Um verdadeiro clássico. Beatles ao vivo no Japão, em 1966.


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Grande clube, time pequeno

Quarta-feira, 28 de julho de 2010, Beira-Rio em Porto Alegre. O São Paulo, pressionado pela má campanha do time no Campeonato Brasileiro, volta a campo para disputar uma semi-final de Libertadores depois de quatro anos. O clube é o maior vencedor brasileiro do torneio. O adversário é o sempre perigoso Internacional.

Começa o jogo e, logo nos primeiros minutos, o São Paulo mostra a que veio: absolutamente nada. Em uma semi-final de Libertadores, a competição mais importante que um clube brasileiro pode disputar no continente, o São Paulo posta-se de maneira pusilânime. Tal como um time de segunda divisão, concentra seus 11 jogadores da intermediária de defesa para trás. Quando consegue roubar a bola, livra-se dela com chutões para o lado, ou direto no pé do adversário. Tudo isso, diante de um técnico absolutamente passivo à beira do campo. O clube mais vencedor do país se apequenou diante de um adversário que nem pressionava tanto assim. Conseguimos a proeza de não dar nenhum chute a gol.

No segundo tempo, esperava-se uma mudança de postura. Claro, não dá para um time atacar desesperadamente o Inter no Beira-Rio. Mas, defender-se e sair no contra-ataque é uma coisa; postar-se como timinho que só sabe rifar a bola, bem, isso é completamente diferente.

O resultado final, 1X0 para o Inter, caiu do céu. Times de segunda divisão merecem perder de mais. A equipe colorada não soube matar a classificação em casa, mas creio que tem 70 ou 80% de chances de passar à final. Não apenas porque tem um bom elenco. Mas, também porque o São Paulo não tem. Dizer que temos um  elenco forte é mentira. Jean não é lateral. Desconfio até que seja um bom volante. Richarlyson é um marcador mediano. Saindo para o ataque, é um desastre completo e absoluto. Erra 90% do que tenta. Hernanes, hoje, estava completamente desligado. O ataque foi inoperante. Dagoberto erra demais. Marlos não é, nem nunca foi armador. Fernandão, lento. E hoje, as substituições, para coroar o desastre, foram mal feitas.

A verdade é que, tirando Rogério e a defesa (responsáveis pelo time ter chegado tão longe na Libertadores desse ano), o resto do time é mediano. Time mediano, mas que joga futebol pequeno. Em minha opinião, o São Paulo não tem elenco para ser campeão da América. Mas poderia jogar mais do que joga. Poderia, ao menos, ter um futebol que orgulhasse seu torcedor. Sabe, ter aquela coisa de poder levantar amanhã e dizer: “ah, mas se aquela bola entra!” ou “jogamos bem, demos azar”. O são-paulino não poderá dizer nada amanhã. Exceto que viu seu time assistir um outro querendo jogar. Não era preciso se comportar como um time covarde. Mas o São Paulo de Ricardo Gomes, na maior parte do tempo, é isso: covarde. Hoje, não foi covarde na maior parte do tempo. Foi o tempo todo. Ver o centroavante passar mais da metade do jogo do meio para trás é inadmissível. Não há só erro tático. Há também erro de postura. Há erro de jogar no São Paulo achando que se joga no São Carlos, o time da minha cidade, que disputa a série B do Paulistão. Há erro de se comandar o São Paulo se esquecendo que se trata do clube mais vencedor do país. Para mim, hoje, o São Paulo se resume ao título do blog: grande clube, time pequeno.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Dois poemas

Hoje vou postar dois poemas de minha autoria. O primeiro é inédito, e foi escrito em meados de 2007. O segundo, desse ano, foi recentemente publicado na edição 2 do Projeto 7faces - caderno-revista de poesia (link aqui).





















Sonhos

Sonhos,
sonhos destinos são,
meninos
despidos
do passado que se esquece,
do futuro, uma ilusão
adoece
em cada peito honesto,
em cada gesto,
em cada mão.

Teu ontem morreu afogado
no copo, no amargo da saliva,
na tua certeza de aprendiz,
o último suspiro antes daquele beijo.
Mas sobrou a roupa rasgada,
a folha rasgada,
o coração rasgado pelos dias
e pelas facas
Mente, disfarça,
finge ser pedra,
porque as pedras não matam
Os homens matam,
as pedras não matam
As pedras, pedras são
Os homens não são
pedras,
são vivos – coração.
E matam:
de morte verdadeira,
de morte matada,
de amor,
de indiferença
e solidão.























Céu de anil

Chuva forte,
céu de anil,
sem luar.

(E cada gota é um pedacinho
de estrela que vem me beijar)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Capitalismo, mídia e "fast-art"

Com o advento do capitalismo, sobretudo a partir do surgimento dos chamados “meios de comunicação de massa” (rádio, TV, etc.), a arte, que sempre esteve ligada a ideais de sensibilidade, contemplação e reflexão, tornou-se, como tudo neste sistema, uma simples mercadoria. Para tanto, foi preciso que ela se adequasse às leis, às exigências do mercado, e do modelo de vida que ele nos impõe. Surgiu, então, o que o filósofo alemão Theodor Adorno chamou de indústria cultural - que abordarei aqui, rapidamente, de uma perspectiva particular.

Sob o véu da democratização da cultura, a indústria cultural promoveu, na verdade, um afastamento cada vez maior das pessoas em relação aos ideais artísticos. De trabalhos de expressão, criação e experimentação, a arte tornou-se repetitiva, reprodutiva, um evento para o consumo, destinado a se tornar moda. A arte deixou de ser uma expressão humana, para se tornar entretenimento, lazer.

A massificação cultural – que seria positiva, caso ocorresse de modo a democratizar a arte, sem fazer com que ela perdesse suas características essenciais – levou, na verdade, a uma grande segregação, ou alienação cultural. Hoje, a arte é dividida principalmente por seu valor de mercado. Há as obras de alto valor, raras, destinadas a uma elite privilegiada economicamente, que pode pagar por elas; e há as obras mais baratas, de massa, isto é, destinado a esse agregado “sem forma, sem rosto, sem identidade” que somos todos os excluídos daquele seleto grupo. Quem pode pagar para ir a uma peça de teatro, para ter um quadro na parede de casa, comprar livros, acompanhar um espetáculo de dança ou visitar uma exposição? A nós, resta muito pouco acesso aos bens artísticos.

A indústria cultural, porém, nos quer fazer crer que houve, de fato, uma democratização, que cada um pode escolher livremente os bens culturais que deseja. Ora, a realidade não é bem essa. Na verdade, todas as empresas de comunicação selecionam previamente o que cada grupo social poderá ver, ouvir, ler, etc. Basta darmos uma olhada, por exemplo, na programação dos canais de televisão. Programas de maior e melhor conteúdo, quando existem, ou filmes de maior expressividade artística, por exemplo, são passados em horários nos quais a maioria da população não pode vê-los – em geral, de madrugada. Durante o dia, o foco são os programas femininos, que tratam de ocupações domésticas, e assuntos cotidianos de maneira sensacionalista e/ou superficial (afinal, para a indústria cultural, a mulher que vê esses programas não tem tempo, nem capacidade para pensar em algo mais profundo). No chamado “horário nobre”, há uma pasteurização de conteúdos, telejornais que se limitam a apresentar notícias enviesadas, sem debatê-las, novelas e programas de auditório para “relaxar” e nos fazer esquecer dos problemas, após um longo dia de serviço.

E não é só. Selecionando o cada um pode ter acesso, a indústria cultural inventa o que a filósofa Marilena Chauí chamou de “espectador médio” (que pode ser o “ouvinte médio”, o “leitor médio”, etc.). Esses são dotados de uma “capacidade média”, têm certos “conhecimentos médios”, “gostos médios” e, por isso, são agraciados com produtos culturais “médios” (músicas, filmes, programas de TV, livros, etc.). Criam a cultura de massa para uma massa “média”. Tiram da expressão artística seu poder de despertar a sensibilidade, de nos fazer imaginar, refletir, conhecer, etc. Isso fica para uma pequena camada de privilegiados. A nós, resta a arte banalizada, insensível, sem vida, a arte que não nos desperta nenhum sentimento, que não choca, que não nos faz pensar (isso, aliás, tem implicações políticas importantíssimas, as quais, em outra oportunidade, pretendo discutir um pouco); uma arte que se resume a nos apresentar apenas o que já sabemos, o que já conhecemos, isto é, que não passe de lazer e entretenimento, que seja consumida rapidamente – se há a comida fast-food, há também a arte fast-art.

Conforme observa, novamente, Marilena Chauí, os meios de comunicação têm um papel fundamental nessa vulgarização da arte. Concomitante ao processo de criação do “espectador médio”, a TV produz dois processos muito importantes para compreendermos esse quadro: a dispersão da atenção e a infantilização. No intuito de atender seus interesses econômicos, e de seus patrocinadores, todo programa de TV é dividido em blocos. O que parece algo sem desdobramentos, com o passar do tempo, com o hábito, traz consequências não muito desejáveis. Essa divisão do tempo habitualmente nos faz prender a atenção em algo durante o tempo de um bloco (sei lá, 8, 10 minutos). Após esse período, precisamos de uma pausa, de um intervalo. Não é à toa que, cada vez mais, tenhamos dificuldades em prestar atenção durante toda uma aula, não consigamos ler um livro inteiro (ainda mais se ele não tiver figuras ou ilustrações), não consigamos nos deixar levar por uma música, por uma bela melodia, ou ver um filme sem interrupções, ou que não seja baseado em cenas banais de ação. Temos, em grande medida, nosso tempo mental condicionado pelo tempo da TV. Como consequência, perdemos nossa capacidade de abstração, de concentração, de exercício do pensamento. Só conseguimos prestar atenção em algo por poucos minutos, mas também desde que ele nos excite, com imagens, movimentos, etc. Nesse cenário, é difícil que consigamos apreciar verdadeiramente uma obra artística (e, vejam bem, não está em questão aqui o “gosto” particular, o juízo estético, que é um outro problema, embora decorrente disso que eu tentei abordar aqui, pois não podemos gostar, apreciar, compreender o que não conhecemos, aquilo que não temos contato cotidianamente. Meu ponto, nesse texto, era apenas esboçar brevemente uma reflexão mais geral sobre a arte e os meios de comunicação – e aquilo que nos é oferecido como artístico).

Além disso, há também um processo de infantilização. A criança, em geral, quer seu desejo atendido prontamente, sem contestações. Quando isso não ocorre, ela grita, chora, esbraveja. Em certa medida, é o que a mídia nos oferece. Não suportamos esperar pela satisfação de nossas vontades. Não queremos pensar, refletir, “mastigar” algo que vimos, ouvimos ou lemos. Não queremos ter despertas nossa capacidade de raciocínio, de imaginação, nem mesmo nossa sensibilidade. Queremos tudo pronto, imediatamente. Como crianças. Sem que isso implique um “esforço” adicional. Se não consigo me contentar com esse canal, mudo para o outro, e por aí vai, até que meu desejo seja satisfeito.

Van Gogh
Bem diante desse cenário, o que fazer? Trotsky disse que a revolução socialista traria a todos o direito não somente ao pão, mas à poesia. Mas mesmo antes que chegue esse momento, não creio que tudo esteja perdido. Sempre há resistência. Para dar apenas um exemplo, a Internet , se bem utilizada, pode ser uma ferramenta importante de difusão da arte, compreendida enquanto expressão simbólica do homem, de sua cultura, de seu espírito. Quer dizer, sempre é possível, com os meios que dispomos, se contrapor ao status quo (aliás, isso não só na arte). É preciso, inclusive, exigir essa postura de nossos governantes – isto é, exigir que eles auxiliem na difusão artística para além dos ditames mercadológicos. Adotar essa postura não significa, porém, que devamos parar de assistir filmes de Hollywood, de ver TV, ouvir rádio, etc. Sectarismo nunca é saudável. Pelo contrário, do meu ponto de vista, a filosofia nos dá os meios de compreender o significado e a extensão dessa indústria cultural, da qual somos assíduos consumidores. Por conseguinte, ela nos auxilia a despertar para a necessidade de filtrar aquilo que essa indústria nos fornece (afinal, nem tudo pode ser considerado ruim), bem como a irmos atrás daquilo que ela não quer nos oferecer.

Termino, parafraseando Merleau-Ponty, para quem a filosofia “é reaprender a ver o mundo” – esse mundo que criamos, mas que cada vez mais se afasta de nós. Acrescento: é preciso reaprender a sentir o mundo (amar, se emocionar, imaginar, refletir, sonhar). Qual caminho melhor do que a arte? Mas aquilo que hoje se chama arte (isto é, aquela que nós, pobres mortais, temos acesso, o que chamei acima de fast-art), caminha no sentido contrário: ela nos insensibiliza, nos embrutece, nos tira, enfim, um pouco de nossa humanidade.

Para quem se interessar no tema:

ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade, ed. Paz e Terra.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia, ed. Ática (para esse tema, ver: un. 08, cap. 03). Este livro, aliás, é uma ótima introdução à Filosofia em geral.

domingo, 25 de julho de 2010

Um pouco de poesia

Bem, deixo vocês com dois poemas. Ambos têm em comum a reflexão sobre a morte, esse fato inevitável, mas com o qual temos tanta dificuldade em lidar. Nessa semana, espero postar aqui no blog um texto sobre isso, sobre o que a filosofia tem a nos dizer sobre a morte. Por enquanto, fiquem com um pouco de poesia.
















Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com algumas poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...

Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas...

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto...

(Mario Quintana - Rua dos cataventos, XXXV)


















Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.


E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.


Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;


Como o desterro de minh'alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.


Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!


De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noite de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.


Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!


Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.


Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo....
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!


Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nelas
— Foi poeta — sonhou — e amou na vida.—


Sombras do vale, noites da montanha
Que minh'alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!


Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear-me a lousa!

(Álvares de Azevedo - Lembrança de morrer)

sábado, 24 de julho de 2010

Mano na seleção

Bem, depois do vexame com a recusa de Muricy Ramalho, Mano Menezes disse sim, e é o novo técnico da seleção. Com o fato inusitado, mas de uma dignidade ímpar, ocorrido ontem, e diante da aparente indisposição de Felipão ou dos boatos sobre probelmas com jogos de azar de Luxemburgo, Mano era a opção que restava.

Diferentemente de Muricy, Mano destacou-se por seus títulos na série B.Venceu a Copa do Brasil do ano passado, com Ronaldo voando  (para os padrões brasileiros) na reta final e, antes, em 2007, no Grêmio, tinha sido vice-campeão da Libertadores.

O fato é que, após termos ido a uma Copa sem um técnico de verdade (2010), e com um com pouca vontade de ganhar (2006), dessa vez teremos um técnico de verdade, e muito disposto a mostrar serviço. Mano sabe armar times, especialmente o setor defensivo, e é daqueles técnicos que tem prazer no que fazem. Nesse sentido, nada tenho a contestar.

Tenho, porém, uma restrição ao Mano - aquilo que também o diferencia de Muricy: sua índole. Não, não estou dizendo que Mano seja da estirpe de seu novo chefe, longe disso. Mas, em alguns momentos, seu comportamento demonstrou, para mim pelo menos, traços que não me parecem salutares, seja para o técnico da seleção, seja para qualquer um de nós. Não vou nem falar dos boatos que rolam pela internet , de um suposto favorecimento a empresários de jogadores em troca de comissões. Lembro-me, porém, de um fato bastante público, ocorrido ano passado, daqueles que, na minha opinião, são bastante reveladores da personalidade alguém. Era o jogo São Paulo X Corinthians,  o primeiro do meu time após a queda de Muricy. Na ocasião, Milton Cruz dirigiu o SPFC e, ao se dirigir ao árbitro, após o jogo, (que o São Paulo perdeu) para reclamar de algum lance, ouviu de Mano algo como "você é auxiliar, não tem direito de reclamar de nada". Talvez seja ranhetice da minha parte, mas, principalmente após esse episódio, comecei a olhar Mano com alguma desconfiança. No mínimo, é uma ato de pouca civilidade. (e não foi o único). Curiosamente, um ano depois, o Corinthians de Mano seria eliminado da Libertadores pelo Flamengo de Rogério Lourenço, à época, também um auxiliar técnico, que assumiu o time após a demissão de Andrade, nas vésperas do jogo contra o time de Parque São Jorge.

Bem, de qualquer forma, é preciso torcer para que Mano leve a cabo a renovação da seleção, e, consequentemente, cheguemos fortes à Copa de 2014. Boa sorte!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ricardo Teixeira a ver navios...

Bem, dada a reviravolta no caso Muricy, que, ao que tudo indica, não vai mais comandar o Brasil, só me resta excluir o post que eu havia publicado, saudando sua chegada à seleção. A possível recusa ao convite de dirigir o Brasil, motivada pelo imperativo de cumprir seu contrato com o Fluminense (e dar exemplo para os filhos), me faz ainda mais fã de Muricy, mesmo com o pesar de achá-lo, neste momento, o nome ideal para a seleção. O Fluminense, por sua vez, está no seu direito de querer fazer valer o contrato, sem "dividir" o treinador com a CBF (ainda que eu ache que poderiam chegar a um acordo, e Muricy ficar até o fim do ano nas Laranjeiras).

Enfim, resta a todos nós aguardarmos os próximos acontecimentos. De qualquer forma, esse imbróglio todo já tem um grande derrotado: o Imperador da CBF, que, arrogante como sempre, jamais contou que receberia um "não" de um treinador; deixou para a última hora o convite a Muricy (pois segunda  é o prazo  limite para convocar jogadores para o amistoso contra os EUA, dia 10/08) e não falou antes com o Fluminense, com quem Muricy tem contrato. Nesse momento, ele paga um dos maiores micos da história do futebol brasileiro. E agora, Ricardo Teixeira?

Serra, candidato do PT? Eles estão perdidos mesmo!

Não dava prá perder a piada. Há poucos dias, disse aqui que José Serra era um candidato perdido (veja o post clicando aqui). Aliás, não só ele, mas todo seu staff - a começar pelo seu vice, Indio da Costa. Isso porque, ao invés de se propor a debater seus projetos para o país (caso ele os tenha), prefere atacar gratuitamente Dilma e o PT. Não pensei, porém, que chegaríamos a tanto. Luis Nassif foi quem observou a gafe monstruosa. Não há o que falar, a imagem vale mais do que mil palavras, confiram  abaixo(obs: isso não é montagem, trata-se de um print do próprio site do PSDB que, após a propagação pela net do "erro", tratou de consertar).

















 

Freud diria que se trata do clássico ato falho, aquele tipo de engano que, na verdade, sugere algum conteúdo inconsciente reprimido, que vem à tona, assim, de repente. Em meio ao desespero, diante da possibilidade real de perder mais uma eleição, o que será que anda povoando a mente de Serra e sua equipe?

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A era do e-book

Segundo notícia divulgada essa semana (veja, no link abaixo, a matéria na Folha), a venda de e-books superou a de livros impressos na Amazon, uma das maiores (senão a maior) redes de comércio online do mundo.

Parece-me uma tendência que os livros de papel sejam paulatinamente substituídos pelos modelos virtuais. Há, nesses últimos, várias vantagens: primeiro que, em termos ecológicos, não há comparação; depois, um aparelho e-reader pode armazenar dezenas de livros, o que poupa nossa coluna e nos permite vantagens incríveis para pesquisa. Além disso, você pode achar algo em um livro em poucos instantes, o que, para um estudante de filosofia, por exemplo, é algo excepcional. Por fim, temos a questão financeira: é consenso que livro, no Brasil, é muito caro. Com a popularização dos e-books, os preços devem a cair substancialmente (isso se não acontecer algo semelhante ao que aconteceu com a música após o advento do mp3), o que, convenhamos, abre perspectivas animadoras em um país com o déficit educacional e de difusão cultural que tem o Brasil. O que atrapalha, ainda, é o preço dos leitores ($189 na Amazon). Mas, como toda nova tecnologia, a tendência é que, também nesse caso, haja queda (como, aliás, já tem acontecido).

Entretanto, fico com um pé um pouco atrás com essa nova tecnologia. É que tenho prazer em folhear um livro, segurá-lo, senti-lo, cheirá-lo. Não sei se terei o mesmo “gosto” de ler num aparelho eletrônico. Talvez seja apenas questão de adaptação. Antigamente, eu achava que jamais conseguiria escrever um texto no computador que não tivesse escrito antes no papel. Hoje, ocorre quase o contrário rsrs. De qualquer forma, essa é uma novidade que veio pra ficar. E, pelos pontos positivos que ela traz, não dá pra não ser a favor.

Link (Folha) aqui

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A obscena "Guerra ao terror"

Essa semana, o Congresso dos EUA divulgou a notícia de que os gastos com a chamada “Guerra ao terror”, deflagrada após os atentados de 11 de setembro de 2001, ultrapassaram US$ 1 trilhão. Mais precisamente, o governo norte-americano despendeu US$ 1,15 trilhão numa guerra cujo resultado mais visível foi a da expansão terrorista no mundo – ou seja, o inverso de sua justificativa. É a maior quantia gasta com o setor bélico desde a II Guerra. A previsão é que esses gastos, até 2017, cheguem a US$ 2,4 trilhões.

Números obscenos como esses (para quaisquer padrões de comparação que se possa adotar) nos fazem refletir um pouco. Ano passado, o governo Obama travou outra verdadeira guerra interna para provar uma reforma no plano de saúde do país, cujo mote era estender a cobertura dos planos de saúde para os quase 47 milhões de americanos que não têm acesso a esse serviço (nos EUA, não há um serviço universalizado de saúde, como o SUS – só vai ao médico quem tem um plano, quem pode pagar). Concomitantemente, a ideia era racionalizar recursos e investir no desenvolvimento científico, para diminuir os custos. A proposta, que chegou a ser chamada de “socialista” pelos setores conservadores do país, e acusada de aumentar o déficit público, acabou aprovada, com emendas em relação à proposta original.

Você poderia se perguntar: então esse montante de recursos gastos com uma guerra comprovadamente ineficaz, (se é que há guerra eficaz) não poderiam ser utilizados, por exemplo, na saúde, na criação de empregos, ou na melhoria das condições de vida da população norte-americana, ao invés de serem despendidos na matança de inocentes em outros países? É que a estratégia de "guerra permanente" tem um motivo, digamos, muito mais importante para a lógica do sistema capitalista. Os economistas americanos Paul Sweezy e Paul Baran, em 1966, em seu livro Capitalismo monopolista (no Brasil foi editado pela Zahar Editores), diziam que a conservação da política imperialista dos EUA dependiam de cinco eixos: defesa da hegemonia política global exercida pelos EUA; a criação de uma plataforma de segurança internacional como base objetiva à expansão e monopolização das oportunidades econômicas no exterior; o fomento de núcleos de Pesquisa e Desenvolvimento a serviço das grandes corporações (que, no limite, são quem controla a economia global monopolista); a manutenção de uma população complacente, obediente à influência nacionalista e manipulada pelo medo com a ideologia da “guerra infinita”; e a disseminação, por todo o território americano, de uma grande capacidade produtiva, com o intuito de prevenir a estagnação econômica pela promoção de investimentos de baixo risco, mas com retornos financeiros elevados (indústria armamentista) *.

Ora, não é de se estranhar que, após o fim da Guerra Fria, os americanos precisassem de outro “pretexto” para investir pesado na indústria bélica – inclusive, inventando falsos motivos para guerras, como a assumida mentira contada sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, que motivou a invasão de 2003. A ideia de que a Guerra ao terror visa um mundo mais seguro é, portanto, uma farsa. Trata-se de dar sobrevida ao sistema, atender os interesses da grande indústria, e manter a hegemonia política e econômica dos EUA. A pergunta que resta é: até quando?

* Para uma análise mais aprofundada do tema, recomendo o excelente artigo “O triângulo imperial norte-americano e os gastos militares”, de John Bellamy Foster, Hannah Holleman e Robert W. M, publicado originalmente na revista Montlhy Review, nº 59, outubro de 2008. Link para o artigo traduzido (parcialmente), aqui

Fonte da notícia (O Globo). Link aqui

terça-feira, 20 de julho de 2010

O inferno são os outros

Um dos temas filosóficos que mais me interessam é o da intersubjetividade, isto é, as relações entre os indivíduos. Tanto minha dissertação, quanto, atualmente, minha tese, versam sobre essa questão, a partir da perspectiva do filósofo francês Jean-Paul Sartre. Hoje, gostaria de compartilhar alguns pontos dessa perspectiva com vocês, que nos fazem refletir um pouco sobre esse assunto tão complexo, e que nos afeta cotidianamente.

Há uma frase bastante famosa de Sartre, presente em uma das peças de teatro que ele escreveu, chamada Entre quatro paredes (Huis clos no original francês), que pode resumir o ponto de vista do autor sobre a intersubjetividade: “o inferno, são os outros”. À primeira vista, lemos essa frase como um atestado de pessimismo quanto ao sucesso das relações humanas – mas, na minha visão, a coisa não é bem por aí.

Em sua principal obra, O ser e o nada, Sartre aponta que a característica essencial do homem é sua liberdade radical (isto é, o homem é ontologicamente livre, é livre em seu ser). Há um famoso jargão existencialista (movimento filosófico que tinha em Sartre um de seus expoentes), que diz que, no homem, “a existência precede a essência”. Bem resumidamente falando, isso significa que, para um existencialista, o homem primeiro nasce, passa a existir no mundo, e só depois, no decorrer de sua vida, ele constrói algo que possa ser chamado de sua “essência” – aquilo pelo qual identificamos cada pessoa em particular. Essa “essência” se forma, basicamente, pelas escolhas que cada um de nós faz ao longo de nossas vidas (valores, profissão, a forma de se relacionar com os outros, opiniões, gostos, crenças, etc.). Ainda na peça Entre quatro paredes, Sartre afirma que, afinal, um homem “nada mais é do que a soma das escolhas que fez durante sua vida”. É nesse movimento que nossa existência pode ganhar um sentido que, a priori, ela não tem.

Se o homem é fundamentalmente livre, mesmo alguém mantido sob a mais cruel dominação, no fundo permanece livre em seu ser, em sua consciência. Quer dizer, um homem jamais conseguirá dominar plenamente o outro, penetrar plenamente em sua consciência: sempre haverá lá uma resistência, um resquício de liberdade. Em outros termos, um homem nunca pode ser reduzido completamente à condição de um objeto; a isso sempre haverá uma espécie de oposição por parte de nossa consciência, oriunda de nossa liberdade radical.

Nesse sentido, as relações humanas são, a princípio, conflituosas: quando encontro o outro, há um confronto entre minha liberdade e a dele. Porém, e isso é importante, esse conflito não é tudo. Eu preciso do outro, por exemplo, para me conhecer plenamente, para escapar ao que Sartre chama de má-fé, essa espécie de mentira que contamos a nós mesmos para fugir da angústia, que se origina da responsabilidade que temos por nossas escolhas (vou dar um exemplo bem grosseiro, mas que pode ajudar: fui mal numa prova hoje. Ontem, porém, ao invés de estudar, resolvi ficar vendo TV. Para Sartre, é preciso que ajamos autenticamente diante dessa situação, é preciso que eu assuma a responsabilidade de que fui mal porque não quis estudar, porque preferi ficar vendo TV. No entanto, frequentemente agimos de “má-fé”, e tentamos nos enganar, por exemplo, dizendo que fomos mal na prova porque ela estava muito difícil, ou porque o professor é ruim, etc., eliminando o peso da responsabilidade por nossas escolhas). O olhar alheio é responsável por nos ajudar a escapar da tentação da má-fé, ele é responsável por nos dizer quem somos, e não quem pensamos ser – o que é fundamental se quisermos melhorar, crescer, evoluir em todos os aspectos. Isso para não falar do necessário processo de socialização, sem o qual não conseguiríamos sobreviver.

Assim, na perspectiva sartriana, não há relação humana que não carregue em si mesma um germe de tensão. “O inferno são os outros”, para Sartre, significa justamente isso: porque o outro também é livre, não podemos controlar completamente o que ele pensa, o que ele nos diz, o limite que ele impõe à nossa liberdade (o que frequentemente gera conflito); mas, ao mesmo tempo (daí vem a tensão), preciso dele, de seu olhar (ainda que, muitas vezes, esse olhar veja algo em nós que não gostamos), para me conhecer e poder agir no mundo, pois apenas por nossas ações (sobretudo as que interferem positivamente na vida dos outros), e no nosso contato intersubjetivo autêntico (que ocorre quando encaro o outro como um ser igualmente livre, e não como um simples objeto), que podemos superar nossa situação e dar um sentido legítimo à nossa existência.

Naturalmente, o que fiz nesse texto foi expor, de maneira bastante superficial, alguns tópicos que nos chamam à reflexão. Além disso, em Filosofia, sempre é bom ressaltar, toda teoria é passível de críticas e retificações (Merleau-Ponty, por exemplo, faz uma crítica à filosofia de Sartre, particularmente no que diz respeito à intersubjetividade, por uma via que acho muito fecunda). No entanto, a perspectiva filosófica de Sartre sobre as relações com os outros traz alguns elementos importantes para pensarmos. No fundo, o que a teoria sartriana coloca é que, se o homem é livre (embora sempre imerso numa “situação” particular), toda relação humana baseia-se numa escolha de cunho moral, quer dizer, na forma como escolhemos ver e nos relacionar com o outro (e, concomitantemente, conosco mesmos). Ao fim e ao cabo, segundo Sartre, a última palavra compete a cada indivíduo. Mas, com base no que foi exposto, você poderia questionar: numa sociedade altamente individualista como a nossa, na qual a maioria das pessoas é vista como uma simples mercadoria, ou como número para estatísticas, como conjugar nossa liberdade com o respeito e a afirmação da liberdade do outro? Quer dizer, é possível, na existência cotidiana de um modo geral, que a necessidade de relações autênticas, de relações que compreendam o outro em sua particularidade, sem “coisificá-lo”, se sobreponha à esmagadora ideologia do “cada um por si” – que, sob a máscara da imprescindível defesa da liberdade individual, nos conduz à barbárie do egocentrismo exacerbado? Não somos levados, por conta das exigências de nossa “situação”, a sempre privilegiar o conflito em detrimento da solidariedade? Eu responderia dizendo que, para Sartre, embora seja particularmente possível (não sem dificuldades) que haja relações autênticas, mesmo diante desse quadro (porque nossa ação pode modificar a situação na qual estamos inseridos), a única saída de fato eficaz é superar coletivamente a atual conjuntura, em direção a uma sociedade que nos dê as bases para travarmos relações mais autênticas, livre do peso do individualismo e da luta diária pela sobrevivência – em suma, superar o capitalismo. Mas, nesse caso, restaria uma outra indagação: como concretizar tal saída se, em geral, os interesses individuais hoje afogam as necessidades coletivas? Acho que um dos desafios contemporâneos é justamente tentar desatar esse nó.

Para quem se interessar:

SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes, ed. Civilização Brasileira.
_________________. O ser e o nada, ed. Vozes (Terceira Parte, sobretudo);


O candidato perdido

José Serra, e o comando de sua campanha, há muito estão completamente perdidos. Amadorismo, falta de tato, desespero, chamem do que quiser, mas o fato é que a oposição está se arruinando por conta própria. Agora, Serra e seu fiel escudeiro, Índio, resolveram atacar gratuitamente o PT, acusando o partido de ter ligações com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e com o narcotráfico. É, no mínimo curioso, que o candidato que se diz mais experiente e mais preparado, preocupe-se apenas em atacar a legenda adversária, bem como a candidata Dilma,  deixando em segundo plano aquilo que a maior parte da população gostaria: ouvir quais são suas propostas e seu projeto para o Brasil. Isto é, se ele realmente tiver um...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ricardo Gomes e o Oráculo de Delfos


No histórico Oráculo de Delfos, local sagrado para os antigos gregos, homens vinham de toda parte do território helênico para colocar as mais diversas questões aos deuses. No templo, havia uma inscrição, que ficou popularizada na história da filosofia, sobretudo através dos ensinamentos de Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Tal lema, passível de interpretações diversas, é uma das vertentes do método de reflexão socrático, e até hoje desperta o debate no âmbito filosófico.

Na filosofia contemporânea (com Sartre e Merleau-Ponty, por exemplo), a ideia de uma reflexão interior foi ligada intrinsecamente ao problema do “outro”. Para estes filósofos, só é possível que nos conheçamos verdadeiramente se passarmos pelo crivo do olhar alheio. Quer dizer, apenas pela mediação do julgamento e da opinião de outras pessoas a nosso respeito, é que podemos conhecer-nos de fato, e escapar à tentação de fechar os olhos tanto para nossos defeitos e fraquezas, como para o peso da responsabilidade das escolhas que fazemos.

Uma das coisas mais difíceis de admitirmos, quando tentamos realizar esse auto-exame, é aceitarmos nossos limites. Contudo, e paradoxalmente, só poderemos superá-los a partir do momento em que realmente os conhecermos. Toda essa introdução filosófica teve o intuito de apenas delimitar o horizonte da minha opinião acerca do atual treinador do meu time, o São Paulo. Ricardo Gomes foi um grande zagueiro. Disputou a Copa de 1990 e, por uma fatalidade (uma contusão de última hora), não foi o zagueiro da seleção na campanha vitoriosa do mundial de 1994. É um sujeito educado, trabalhador, bom caráter, fala francês, aprecia vinhos, e, ao que tudo indica, é uma pessoa de bom relacionamento com os outros. Numa palavra: pessoalmente, é um gentleman. Mas Ricardo Gomes, como técnico do SPFC, tem se mostrado um desastre. Fez bons trabalhos em times franceses, de fato, e nos ajudou a fazer um bom campeonato no Brasileiro do ano passado. Todavia, fracassou em inúmeras oportunidades: a mais gritante, na seleção pré-olímpica de 2004, que, sob seu comando, sequer conseguiu vaga para as Olimpíadas (um time que tinha Kaká, Robinho, Diego, Nilmar, dentre outros, todos em ótima fase). O que quero dizer, é que Ricardo Gomes não tem, hoje, competência para dirigir um time como o São Paulo. Talvez seu estilo se case mais com o futebol meio blasé praticado na França. Isso não significa que ele nunca terá condições de ter êxito em um grande clube brasileiro: apenas acho que, hoje, o São Paulo, clube mais vencedor do país, é grande demais para ele.

Digo isso independentemente de resultados futuros. Pode ser que, com uma conjunção astral excepcional, semelhante àquela ocorrida nos jogos contra o Cruzeiro, nas quartas-de-final da Libertadores, o SPFC seja tetracampeão da América. Torço muito por isso. Muito mesmo. Mas, independentemente dessa torcida, acho que Ricardo Gomes deveria assumir (inclusive para seu próprio crescimento), que hoje ele não é técnico para um clube do tamanho do São Paulo. E isso vale para nossa diretoria também, em especial o presidente Juvenal Juvêncio, que apostou num treinador sem grandes resultados e que, infelizmente, “não vingou" no Morumbi.

Mas, como eu disse acima, reconhecer nossos limites é algo extremamente difícil e, muitas vezes, dolorido. É por isso que às vezes precisamos de uma “ajudinha” externa. Se você perguntar nas ruas, para a torcida são-paulina, a esmagadora maioria reprova categoricamente o trabalho do técnico, principalmente depois do péssimo futebol apresentado pós-Copa (que, se não é culpa exclusiva dele – o SPFC não tem lateral direito, e está cheio de jogadores “meia-boca” – passa muito por seu comando e por suas más escolhas). O tópico “Fora Ricardo Gomes” foi um dos mais comentados no twitter mundial durante os dois últimos jogos do SPFC. Acho que isso são amostras de que nosso treinador, e nossa diretoria, deveriam ouvir o que o torcedor, de maneira quase unânime, tem a dizer: O profissional Ricardo Gomes, hoje, não está à altura do clube que dirige.

Para crescer, é preciso se conhecer; e se conhecer, passa por reconhecer os erros e os próprios limites. Depois de 1 ano, a torcida do São Paulo já percebeu que o futebol do time, sob o comando de Gomes, será sempre limitado, como ele. Caro Ricardo: não é possível que tanta gente esteja errada.

domingo, 18 de julho de 2010

Domingo


Bem, como tive que acordar cedo (pelo menos para o padrão dos domingos), resolvi postar algo diferente no blog. Aliás, fiz questão de publicar posts sobre temas diversos esse fim de semana, justamente para mostrar a miscelânea de coisas que deverá ser esse espaço - nada muito diferente do que é nossa própria vida.
Enfim, para celebrar esse domingo, de tempo relativamente bom em São Carlos, fiquem com dois poemas. O primeiro, é de Fernando Pessoa,  o que dispensa maiores comentários. No post abaixo, um de Neruda, especialmente para meu amor, Angelica.
Bom domingo a todos! Até a próxima!




"Contemplo o lago mudo" - Fernando Pessoa

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso
em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Para Angelica




















Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.

Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te, como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,

E nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor, a sangue e fogo.

(Pablo Neruda, soneto LXVI)

Brasil deve eliminar miséria até 2016

Lembram-se quando a gente ouvia que "o Brasil é o país do futuro"? Um dos passos para que esse futuro um dia chegasse, era acabar com a nossa enorme desigualdade social, o que, dentre outras coisas, passava por erradicar a pobreza e a miséria, acabando com a história de que o Brasil é um país para poucos. Pois, finalmente, essa realidade começa a mudar. É assim que compreendo a grande notícia divulgada pelo IPEA na semana que passou: até 2016, o Brasil poderá eliminar a miséria, e reduzir a taxa de pobreza a apenas 4% - os menores índices da história! Se conseguirmos atingir essa meta,  realizaremos, sem dúvida, um grande feito. Tal perspectiva, por si só, mostra que, apesar dos percalços, estamos no caminho certo. Claro, há muito ainda a ser feito, muita coisa deve mudar para que o Brasil seja um país em que todas as pessoas vivam dignamente, e tenham oportunidades de crescer e serem felizes. Mas, lembremos das sábias palavras  de Lao-Tsé: "uma longa jornada começa com um único passo". Quem sabe, erradicar a miséria não é esse "primeiro passo" para o futuro tão sonhado?  É no que acredito.















Link da matéria completa (fonte: Estadão) aqui.

Ótima notícia aos pós-graduandos

De acordo com portaria publicada na última sexta-feira, 16/07, os pós-graduandos bolsistas da CAPES e do CNPq poderão acumular suas bolsas com outra atividade remunerada, desde que esta apresente relevância para sua pesquisa e conte com a anuência do orientador. Maiores informações, neste link.

sábado, 17 de julho de 2010

Filosofia e coisas da vida

A primeira postagem “prá valer” do blog será sobre o título do mesmo: “Filosofia e coisas da vida”. No fundo, não acho que exista, de fato, uma separação entre a filosofia, de um lado, e a vida, nossa existência cotidiana, de outro. Antonio Gramsci dizia que, no fundo, todo homem é, em alguma medida, um filósofo, porque todo homem tem ou participa de uma visão de mundo, tem uma conduta moral consciente, uma opinião formada sobre o mundo – ainda que nem sempre consiga ou se disponha a expressá-la. de maneira  sistemática. Eu, particularmente, concordo com essa visão. Para mim, filosofia e vida estão intimamente ligadas. Por isso, falar sobre as “coisas da vida”, no fundo, já é um modo de filosofar, ou pelo menos de se iniciar nessa atividade. Assim sendo, é preciso dizer que o título do blog apenas reflete, de maneira um tanto tosca, a forma que encontrei de pontuar esse entrelaçamento.

Por isso, esse blog se propõe a tratar de tudo um pouco. Claro, sem a pretensão de esgotar qualquer tema que seja. Meu objetivo é apenas colocar na rede (quase traído pelo hábito, eu já ia dizendo “colocar no papel”) algumas opiniões, reflexões, etc., sobre tudo o que desperta meu interesse – e, quem sabe, também desperta o interesse de outras pessoas: de um poema de Drummond, ao bom e velho Rock'n'Roll; de um texto de Sartre, a uma reflexão daquelas que a gente faz no chuveiro, ou durante uma caminhada; das eleições deste ano (se tudo der certo, com vitórias de Dilma e Mercadante) ao próximo jogo do São Paulo; e por aí afora.


Blaise Pascal, filósofo que soube compreender, como poucos, o drama de nossa existência, afirmava que “a vida humana não é senão uma ilusão eterna”. Ele pontuava que, mais do que encontrar algo, o que realmente agrada o ser humano é procurar: em geral, quando encontramos aquilo que procurávamos, quando alcançamos um objetivo, logo nos entediamos, e colocamos outra meta a ser perseguida, e assim indefinidamente. Daí a ilusão: estamos sempre correndo atrás, sem nunca, de fato, alcançar, ou sem nunca nos satisfazermos com o que já alcançamos. Mas, me valendo um pouco de Sartre, creio que essa situação paradoxal de insatisfação permanente tem um aspecto extremamente positivo: é que, se por um lado, ela nos deixa num estado angustiante, que nos faz sentir um vazio, uma falta, uma lacuna que nunca se preenche, por outro, é justamente essa busca incessante que nos empurra prá frente, que, enfim, nos faz viver. E, no fundo, talvez seja isso o que pretendo, aqui e na vida: mais do que encontrar algo, respostas, certezas, é simplesmente procurar.

Kiss - Rock and Roll All Nite

Para começar, em homenagem ao Dia Internacional do Rock, comemorado no último 13/07, um clássico que exprime muito bem o espírito de liberdade, festa, comunhão, atitude e afirmação da vida, que são marcas do Rock.

Bem-vindos!!!

Essa é apenas uma postagem inicial, uma saudação a todos que passarem por aqui. Sejam bem-vindos!